sábado, 30 de março de 2024

Godzilla e Kong: O Novo Império

Com exceção do ótimo Kong: Ilha da Caveira, acho a franquia MonsterVerse construída com King Kong e Godzilla bem irregular, desperdiçando o potencial dos dois titãs (como são chamados aqui) em uma tentativa frustrada de universo compartilhado. Dez anos depois de essa ideia ter começado, chegamos a este Godzilla e Kong: O Novo Império, que pouco faz para melhorar a impressão da franquia.

Retomando a história anos depois de Godzilla vs. Kong, este O Novo Império mostra que a humanidade já aceitou que os dois gigantes fazem parte de sua realidade, com Kong levando sua vida na Terra Oca, enquanto Godzilla volta e meia aparece em diversas cidades, deixando rastros de destruição ao abater outros monstros ameaçadores. É quando um sinal desconhecido passa a causar certo distúrbio entre os dois titãs, algo que é captado pela equipe da Dra. Ilene Andrews (Rebecca Hall), que se junta ao podcaster Bernie (Brian Tyree Henry) e ao veterinário Trapper (Dan Stevens) para descobrir o que está ocorrendo.



Comparado a Godzilla vs. Kong, o novo filme parece tentar consertar um problema comum na franquia, diminuindo bastante o número de personagens humanos com alguma importância na trama. A tentativa é louvável, mas a execução ainda deixa a desejar porque mesmo os poucos humanos que aparecem conseguem tornar a narrativa incrivelmente aborrecida. Não só são figuras unidimensionais cujas ações não tem nada de interessante, mas também parecem servir mais para largar para o espectador os vários diálogos expositivos do roteiro. E em papeis como esses, não há nada que intérpretes carismáticos como Rebecca Hall, Brian Tyree Henry e Dan Stevens possam fazer para salvar alguma coisa.


Além disso, o roteiro procura estabelecer um pouco mais a mitologia por trás de seu universo de monstros gigantes e projetos secretos do governo, mas aposta em um desenrolar que não deixa de ser conveniente demais. Não há aqui nenhuma sutileza na apresentação de ideias, tamanha pressa que o filme tem para fazer as coisas. É algo que pontualmente até prejudica um pouco o diretor Adam Wingard (retornando após Godzilla vs. Kong), que tenta criar momentos que até soam épicos em suas ideias, mas acabam não tendo muito apelo quando executados, como por exemplo a cena envolvendo uma espécie de luva mecânica. 


Aliás, espero que Wingard retorne em breve a thrillers de baixo orçamento como Você é o Próximo e O Hóspede, já que seu trabalho nessa superprodução carece de criatividade. As cenas de ação envolvendo Kong e Godzilla até são bem conduzidas no sentido de não deixarem o espectador confuso em relação ao que ocorre na tela, mas ao mesmo tempo não trazem nada de muito memorável fora a presença de seus monstros. De qualquer forma, é preciso dizer que Kong e Godzilla exibem mais personalidade do que os humanos com os quais precisam dividir o filme, e se há algum tipo de envolvimento emocional do espectador com a narrativa isso se deve aos dois icônicos personagens, o que faz eu pensar que se o filme fosse composto apenas pelas cenas da dupla talvez tivéssemos aqui um média-metragem relativamente eficaz.

Mas Godzilla e Kong: O Novo Império infelizmente é um trabalho meia-boca. E para azar do filme, ele ainda empalidece quando pensamos que ele está sendo lançado pouco tempo depois de Godzilla Minus One, que com um orçamento muito mais modesto rendeu uma obra infinitamente mais memorável.

Nota:



sexta-feira, 22 de março de 2024

Ervas Secas

(Comentário escrito durante a cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo)

Logo após as mais três horas de duração deste Ervas Secas, pairou em minha cabeça a dúvida quanto ao número de páginas que o roteiro do filme teria. Não por conta da duração, mas sim por ele contar com diálogos, diálogos, diálogos e mais diálogos (respondendo a dúvida, aparentemente o roteiro tinha mais de 500 páginas). Mas apesar de parecer, isso que falei está bem longe de ser uma crítica, já que o diretor Nuri Bilge Ceylan faz dos diálogos um dos pontos fortes do filme.

A história mostra o professor Samet (Deniz Celiloğlu), que mora junto com seu colega Kenan (Musab Ekici) e dá aula em uma escola em Anatolia, tendo como objetivo se transferir de volta para Istambul. Mas as coisas passam a não dar muito certo quando duas alunas acusam os sujeitos de terem abusado delas. Ao mesmo tempo, Samet e Kenan conhecem Nuray (Merve Dizdar), professora que sobreviveu a um ataque terrorista e pela qual ambos passam a se interessar.

Pela base da trama, Ervas Secas parece que será um filme que colocará seus personagens rumo a algum julgamento, mesmo que seja um julgamento do próprio público. Mas a verdade é que Nuri Bilge Ceylan usa isso mais como ponto de partida para o longa, que tem interesse maior em trazer Samet, Kenan e Nuray discutindo política, filosofia, suas visões de mundo, seus desejos e até sua própria existência, com os dramas pessoais dos personagens funcionando para mostrar como tudo isso se molda e pode mudar a partir de nossas vivências. E talvez Ervas Secas pudesse ser uma experiência maçante (afinal, grande parte do filme é composta por longos planos de personagens conversando), mas Nuri Bilge Ceylan consegue dar dinamismo a narrativa, ao passo que os diálogos se revelam brilhantes e universais.

Nota:



quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Anatomia de Uma Queda

(Comentário publicado originalmente durante a cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo)

Se Anatomia de Uma Queda fosse um filme mais preocupado com a solução de seus conflitos, acho que ele não teria a força que tem. O que faz o longa brilhar é o caminho que a diretora Justine Triet monta até a linha de chegada, lembrando uma velha frase de Roger Ebert, que dizia que “Não importa sobre o que é o filme, mas sim como ele é”.

Anatomia de Uma Queda basicamente é um drama de tribunal. Depois que seu marido Samuel (Samuel Maleski) é encontrado morto do lado de fora de casa, a escritora Sandra (Sandra Hüller) é indiciada como a principal suspeita, o que inicia uma luta nos tribunais para esclarecer o que exatamente ocorreu: assassinato ou suicídio. Isso acaba envolvendo até as lembranças do filho deficiente visual do casal, Daniel (Milo Machado-Graner), que encontrou o corpo do pai.

Logo na primeira cena do filme, Justine Triet faz algo que já diz muito sobre o que veremos. Quando Sandra é entrevistada por uma jornalista e um tópico sobre verdade e ficção surge na conversa, a diretora deixa a cena desfocada por um breve segundo, logo quando a palavra “verdade” é proferida. Coincidência ou não, ao longo do filme a verdade sobre tudo o que acontece é o que menos importa, já que nada indica um caminho claro. E é isso que torna a narrativa de Justine Triet tão admirável, nos mantendo envolvidos do início ao fim por nos fazer lidar mais com questionamentos do que propriamente com respostas, nos deixando sempre com uma pulga atrás da orelha em relação a tudo e todos e permitindo que o espectador tire suas próprias conclusões.

No topo disso tudo temos uma Sandra Hüller em atuação digna de prêmios, tornando a protagonista uma figura multidimensional e simplesmente difícil de julgar, já que ao mesmo tempo em que ela é capaz de ser manipuladora e fria, ela também soa sincera em tudo o que diz. Já o jovem Milo Machado-Graner não fica muito atrás e surpreende ao fazer do personagem uma figura pouco confiável não tanto por sua deficiência, mas sim por conta de sua fragilidade emocional.

A Palma de Ouro do Festival de Cannes definitivamente ficou em boas mãos.

Nota:



quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Sobreviventes: Depois do Terremoto

Candidato da Coreia do Sul para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar deste ano, Sobreviventes: Depois do Terremoto se diferencia do que poderíamos esperar de um filme-catástrofe ao evitar trazer seus personagens em constantes cenas de ação nas quais eles lutam para sobreviver a uma catástrofe natural, preferindo ao invés disso focar mais nas consequências do desastre e fazendo comentários sócio-políticos em meio ao contexto que apresenta. Escrito pelo diretor Um Tae-hwa em parceria com Lee Shin-ji, o filme tem início mostrando a grande valorização que as pessoas dão ao fato de terem onde morar, apenas para logo em seguida um absurdo terremoto mandar tudo pelos ares. Ou melhor, quase tudo, já que um condomínio conseguiu se manter intacto no meio de toda a destruição. E a partir daí passamos a acompanhar moradores do edifício, como o casal Kim Min-seong e Joo Myeong-hwa (vividos por Park Seo-joon e Park Bo-young, respectivamente), precisando se adaptar a uma nova forma de viver enquanto pessoas de fora que perderam tudo são tratadas como forasteiras, principalmente depois que Kim Yeoung-tak (Lee Byung-hung) é eleito líder do condomínio, iniciando uma espécie de utopia por ali.


O filme procura fazer comentários e críticas sociais que são bastante pertinentes, mas o roteiro não deixa de soar um tanto básico ao abordar essas questões, de maneira que durante boa parte do filme tive a impressão de estar assistindo a algo que poderia se chamar “Sociologia Para Leigos”. Há conflitos que acabam sendo bastante previsíveis devido ao elitismo que passa a mover personagens como Kim Yeoung-tak, ao passo que muitas vezes o filme procura mostrar como o egoísmo e a hipocrisia dos moradores são fontes dos problemas que eles enfrentam. Isso é apontado sem nenhuma sutileza por Um Tae-hwa, como quando Kim Min-seong reclama que as pessoas não são mais solidárias enquanto ele próprio se esconde para consumir uma lata de pêssego para não precisar dividir, ou quando os chamados forasteiros são expulsos do condomínio e a câmera foca uma placa religiosa de “Amai-vos uns aos outros”. São detalhes que dão a impressão de que o diretor não confia muito na inteligência do espectador, martelando o máximo que pode suas mensagens a fim de deixar tudo demasiadamente esclarecido.


No entanto, se Sobreviventes não capricha muito nesses quesitos, ele ao menos funciona bem como thriller, com Um Tae-hwa utilizando o que sabemos sobre os personagens e a desumanização que assola aquela comunidade para criar momentos de tensão muito eficientes. E nisso é preciso destacar também a atuação de Lee Byung-hung, que faz do líder Kim Yeoung-tak uma figura cuja presença se torna gradativamente ameaçadora, se contrapondo a delicadeza com a qual Park Bo-young interpreta Joo Myeong-hwa, que se mostra a personagem mais empática da história e que, por isso, funciona como a bússola moral do filme.

Apesar de não ser tão interessante quanto sua ambição e suas ideias, Sobreviventes ainda se revela uma obra eficaz, conseguindo envolver o espectador na situação de seus personagens e merecendo alguns créditos também por conseguir fugir um pouco do lugar-comum dos filmes-catástrofe, considerando que o gênero em si já é bastante engessado por fórmulas narrativas.


Nota:


sábado, 30 de dezembro de 2023

Os Melhores Filmes de 2023

2023 serviu para mim como uma espécie de reconexão com o cinema. Seja por conta da pandemia ou por outros motivos particulares, os últimos anos foram um tanto complicados para que eu acompanhasse os filmes que eram lançados. Vi poucas coisas, escrevi menos ainda e me vi constantemente desmotivado. Mas 2023 foi um pouco mais produtivo. Além de ter conseguido voltar a ver mais filmes e escrito com alguma frequência, pude cobrir o meu primeiro festival de cinema presencialmente e que foi uma das experiências mais ricas que tive, me ajudando a confirmar algo que, por incrível que pareça, só tive certeza recentemente: se tenho alguma função nesse mundo, esta é escrever (lamento caso alguém não goste do que produzo, mas realmente não pretendo parar).

Assim, me sinto confortável para retomar a lista de melhores filmes do ano que costumo fazer nessa época, e que deixei de publicar nos últimos anos exatamente por sentir que não vi longas o bastante para listar e fazer um ranking. E a lista de piores filmes do ano? Bem, essa foi descartada e não tem previsão de volta. Quem me acompanha nas redes sociais deve ter visto um pequeno desabafo que fiz recentemente, quando falei sobre a percepção que tenho tido em relação a listar os piores do ano. Primeiro que muitas vezes isso acaba sendo como chutar cachorro morto, considerando que há filmes que já são detonados o suficiente ao longo do ano. E segundo que listar os piores do ano além de ser desnecessário ainda estimula negativamente a ideia que o público tem de que a crítica de cinema é um guia de consumo, alimentando a frase “se você não gostou eu não vou ver”, algo que sinceramente tem me doído os ouvidos ultimamente.

Para compensar a exclusão de uma lista, decidi que dessa vez não farei um top 10 com os melhores do ano, mas sim um top 20, além das menções honrosas. E devo deixar claro que preferi considerar para a lista apenas os filmes lançados comercialmente nos cinemas brasileiros em 2023, o que fez eu deixar de fora alguns longas que vi na Mostra de São Paulo (como Anatomia de Uma Queda e O Mal Não Existe) e que devem entrar em cartaz oficialmente apenas no ano que vem.

Sem mais delongas, vamos aos filmes.

Primeiro, as menções honrosas (em ordem alfabética):

A Baleia (The Whale), de Darren Aronofsky

Esquema de Risco: Operação Fortune (Operation Fortune: Ruse de Guerre), de Guy Ritchie

Guardiões da Galáxia: Vol. 3 (Guardians of the Galaxy: Vol. 3), de James Gunn

Jogo Justo (Fair Play), de Chloe Dumont

Kill Boksoon, de Byun Sung-hyun

O Pacto (Guy Ritchie’s The Covenant), de Guy Ritchie

Sisu: Uma História de Determinação (Sisu), de Jalmari Helander

Still: Ainda Sou Michael J. Fox (Still: A Michael J. Fox Movie), de Davis Guggenheim

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem), de Jeff Rowe

Em um pequeno adendo: preciso mencionar também “Long, Long Time”, o terceiro episódio de The Last of Us e que foi uma das coisas mais lindas do ano.


E agora o top 20 em ordem decrescente:

20) Clonaram Tyrone! (They Cloned Tyrone), de Juel Taylor


19) Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves), de John Francis Daley e Jonathan Goldstein


18) A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise), de Lee Cronin


17) Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte Um (Mission Impossible: Dead Reckoning – Part One), de Christopher McQuarrie


16) Propriedade, de Daniel Bandeira


15) O Assassino (The Killer), de David Fincher


14) Pedágio, de Carolina Markowicz


13) Afire (Roter Himmel), de Christian Petzold


12) Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness), de Ruben Östlund


11) Godzilla Minus One (Gojira Mainasu Wan), de Takashi Yamazaki


10) Os Fabelmans (The Fabelmans), de Steven Spielberg


9) Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spider-Verse), de Joaquim Dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers


8) Decisão de Partir (Heojil Kyolshim), de Park Chan-wook


7) Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin), de Martin McDonagh


6) John Wick 4: Baba Yaga (John Wick: Chapter 4), de Chad Stahelski


5) Tár, de Todd Field


4) Oppenheimer, de Christopher Nolan


3) Barbie, de Greta Gerwig


2) Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho


1) Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon), de Martin Scorsese


Feliz Ano Novo para todos vocês que me acompanham por aqui. Torcendo desde já para que 2024 seja ainda mais produtivo.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Maestro

(Comentário publicado durante a cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo)

Aguardada cinebiografia do maestro e músico Leonard Bernstein dirigida por Bradley Cooper, Maestro segue a vida de Bernstein (vivido pelo próprio Cooper) ao longo de 50 anos, mostrando o sucesso dele desde cedo como condutor de grandes orquestras, sua sexualidade e seu casamento com Felicia Montealegre (Carey Mulligan).

Como ator, Bradley Cooper faz um bom trabalho encarnando a segurança de Leonard Bernstein como artista, algo que só aumenta e se torna mais sutil com o passar dos anos, sendo que o ator ainda mantém grande expressividade mesmo quando por baixo de toda a excelente maquiagem que utiliza quando o personagem fica mais velho. Já a ótima Carey Mulligan traz força e resiliência a Felicia, uma mulher que se recusa a viver na sombra do marido mesmo quando isso parece inevitável. E por mais conturbado que seja o casamento dos personagens, seus intérpretes conseguem mostrar bem o afeto entre eles.

No entanto, enquanto o roteiro escrito por Cooper e Josh Singer faz um belo retrato da relação entre Bernstein e Montealegre, outras coisas parecem ser jogadas na tela apenas para que o filme possa dizer que as incluiu, como o uso de drogas por parte do protagonista e os namoros dele com outros homens (em especial Tom Cothran), que mais parecem devaneios do que propriamente relacionamentos. Este último quesito é até curioso considerando que o filme trata a sexualidade de Leonard Bernstein abertamente, de forma que talvez tenha faltado um pouco de coragem a Cooper e sua equipe para se aprofundar mais nesse aspecto.

Já na direção, há sacadas interessantes de Bradley Cooper. A lógica visual do filme, por exemplo, é primorosa, iniciando com uma razão de aspecto 1.33:1 em preto e branco, para então adicionar cores na segunda fase da vida do protagonista e aumentando a razão de aspecto para o habitual 1.85:1 apenas quando chega na fase final, o que sinaliza como uma passagem se soma a outra. Além disso, Cooper é hábil ao usar uma maior profundidade de campo para retratar o modo que Felicia fica, por vezes, relegada na vida do protagonista, ao passo que planos mais longos trazem uma maior naturalidade a determinadas cenas. Porém, há vários outros momentos em que Cooper parece apenas querer se exibir, usando travellings que viajam pelos cenários e um extenso número de raccords (transições de cena que mantêm a continuidade entre um plano e outro), recursos que acabam chamando atenção demais para seu diretor.

Maestro no fim se equilibra entre altos e baixos, conseguindo até ser eficaz como filme, ainda que não tão brilhante como a figura que retrata na tela.

Nota:



terça-feira, 31 de outubro de 2023

47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - Última Parte


E chegamos ao nosso último post da cobertura dessa 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Nos oito dias que fiquei na cidade, assisti a 30 filmes e consegui produzir conteúdo sobre todos. No processo, creio ter conseguido bater de frente com inseguranças que costumo ter em relação tanto ao meu trabalho quanto a mim mesmo, o que faz eu pensar que essa cobertura foi uma das experiências mais enriquecedoras que já tive.

Espero que tenham curtido os comentários tanto quanto eu curti assistir aos filmes e escrever sobre eles. Foi um trabalho cansativo, mas certamente prazeroso e que espero repetir mais vezes no futuro próximo.

Bom, vamos aos últimos quatro filmes que conferi.

Uma Revolução em Quadros (A Revolution on Canvas, 2023), de Sara Nodjoumi e Till Schauder:

Documentário produzido pela HBO, Uma Revolução em Quadros foca no pintor iraniano Nicky Nodjoumi, que em 1980 se exilou nos Estados Unidos durante a Revolução Islâmica por conta de ameaças e acusações de traição, já que ele era crítico do regime do Irã na época. A fuga ocorreu antes de uma exibição que ele iria fazer, de forma que ele deixou para trás todas as obras que seriam expostas. O documentário, codirigido pela filha de Nicky, Sara Nodjoumi, investiga o paradeiro dessas obras e os esforços do artista e de sua família para recuperá-los, ao mesmo tempo em que conhecemos o artista e vemos o quanto seu ativismo afetou sua vida pessoal.

Seja pela história de Nicky Nodjoumi e sua família ou pela investigação sobre suas obras, Uma Revolução em Quadros se revela muito rico. Estabelecendo bem o contexto do exílio do artista e fazendo um retrato eficaz do autoritarismo que domina seu país, o filme é envolvente em sua investigação, que se revela nada simples e bastante arriscada, a ponto de Sara Nodjoumi e Till Schauder (marido dela e codiretor do filme) terem que censurar até os nomes das pessoas que os ajudam. Além disso, o longa fala com propriedade sobre sacrifícios que são feitos em nome de algo maior, o que faz a história de Nicky e a relação dele com sua família render momentos muito tocantes.

Nota:




Quem Fizer Ganha (Next Goal Wins, 2023), de Taika Waititi:

O estilo non sense de Taika Waititi se mistura com todos os clichê possíveis neste Quem Fizer Ganha. No longa, que se passa em 2011, acompanhamos a seleção de futebol da Samoa Americana, na época a última colocada no ranking de seleções da FIFA e conhecida por uma derrota histórica de 31 a 0 para a Austrália. É então que o técnico Thomas Rongen (Michael Fassbender) é contratado para tentar fazer o time dar a volta por cima, o que na verdade significa apenas marcar um gol, pouco importando os resultados.

É natural sentir simpatia pela história que é contada, já que se trata do clássico “Davi contra Golias” em que torcemos para figuras pouco afortunadas terem sucesso. Mas mesmo assim, é preciso reconhecer que Taika Waititi faz um filme formuláico, previsível e por vezes maniqueísta demais. Somando isso ao non sense totalmente sem controle do diretor, Quem Fizer Ganha acaba se tornando uma experiência mais irritante do que propriamente engraçada, sendo que Waititi ainda retrata o povo da Samoa Americana como figuras estereotipadas e engraçadinhas que nunca soam realmente humanas.

Nota:


O Livro das Soluções (Le Livre des solutions, 2023), de Michel Gondry:

Acho que O Livro das Soluções foi uma das minhas grandes frustrações entre os longas que assisti na Mostra. Gosto do estilo e do senso de humor de Michel Gondry, que se fazem presentes neste novo trabalho, mas acabam auxiliando uma narrativa sem foco e protagonizada por um sujeito que beira o insuportável.

Escrito pelo próprio Gondry, O Livro das Soluções reflete a relação que o diretor teve com produtores em alguns de seus projetos. Aqui, Marc (Pierre Niney) é um jovem cineasta em meio a realização de seu mais novo filme. Mas quando os produtores detestam uma versão não-finalizada da obra e resolvem tirá-la de suas mãos, o diretor decide pegar todo o material filmado e finalizá-lo na casa de sua tia Denise (Françoise Lebrun), tendo a ajuda da montadora Charlotte (Blanche Gardin) e de sua assistente Sylvia (Frankie Wallach).

Seria o filme uma crítica a como estúdios tratam a liberdade criativa de seus diretores? Estaria Michel Gondry querendo compartilhar com as pessoas (principalmente artistas em potencial) o que sabe sobre o processo de realização de uma obra de arte? Ou ele quer tratar das ansiedades resultantes de um processo criativo? No fim, Michel Gondry parece querer falar sobre muitas coisas ao longo de O Livro das Soluções, mas acaba não falando sobre nada.

Muito se deve também a aleatoriedade que toma conta da cabeça do protagonista, que muitas vezes não sabe o que quer fazer primeiro. E isso é apenas uma das coisas que tornam Marc um teste de paciência para o espectador, já que sua bipolaridade e egocentrismo se mostram irritantes e ele chega a ser até abusivo em determinados momentos com quem quer apenas ajudá-lo.

Nota:


Maestro (2023), de Bradley Cooper:

Aguardada cinebiografia do maestro e músico Leonard Bernstein dirigida por Bradley Cooper, Maestro segue a vida de Bernstein (vivido pelo próprio Cooper) ao longo de 50 anos, mostrando o sucesso dele desde cedo como condutor de grandes orquestras, sua sexualidade e seu casamento com Felicia Montealegre (Carey Mulligan).

Como ator, Bradley Cooper faz um bom trabalho encarnando a segurança de Leonard Bernstein como artista, algo que só aumenta e se torna mais sutil com o passar dos anos, sendo que o ator ainda mantém grande expressividade mesmo quando por baixo de toda a excelente maquiagem que utiliza quando o personagem fica mais velho. Já a ótima Carey Mulligan traz força e resiliência a Felicia, uma mulher que se recusa a viver na sombra do marido mesmo quando isso parece inevitável. E por mais conturbado que seja o casamento dos personagens, seus intérpretes conseguem mostrar bem o afeto entre eles.

No entanto, enquanto o roteiro escrito por Cooper e Josh Singer faz um belo retrato da relação entre Bernstein e Montealegre, outras coisas parecem ser jogadas na tela apenas para que o filme possa dizer que as incluiu, como o uso de drogas por parte do protagonista e os namoros dele com outros homens (em especial Tom Cothran), que mais parecem devaneios do que propriamente relacionamentos. Este último quesito é até curioso considerando que o filme trata a sexualidade de Leonard Bernstein abertamente, de forma que talvez tenha faltado um pouco de coragem a Cooper e sua equipe para se aprofundar mais nesse aspecto.

Já na direção, há sacadas interessantes de Bradley Cooper. A lógica visual do filme, por exemplo, é primorosa, iniciando com uma razão de aspecto 1.33:1 em preto e branco, para então adicionar cores na segunda fase da vida do protagonista e aumentando a razão de aspecto para o habitual 1.85:1 apenas quando chega na fase final, o que sinaliza como uma passagem se soma a outra. Além disso, Cooper é hábil ao usar uma maior profundidade de campo para retratar o modo que Felicia fica, por vezes, relegada na vida do protagonista, ao passo que planos mais longos trazem uma maior naturalidade a determinadas cenas. Porém, há vários outros momentos em que Cooper parece apenas querer se exibir, usando travellings que viajam pelos cenários e um extenso número de raccords (transições de cena que mantêm a continuidade entre um plano e outro), recursos que acabam chamando atenção demais para seu diretor.

Maestro no fim se equilibra entre altos e baixos, conseguindo até ser eficaz como filme, ainda que não tão brilhante como a figura que retrata na tela.

Nota:



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