sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Artista

Sempre que penso que não há mais como uma experiência cinematográfica me surpreender ou emocionar aparece um filme que consegue simplesmente me derrubar. Quando me surpreende além do que é esperado, o cinema se torna uma arte ainda mais apaixonante para mim. Sendo assim, ver um filme como O Artista é algo que me deixa com um sorriso no rosto de orelha a orelha do início até depois de sair da sala de cinema. Isso porque o filme de Michel Hazanavicius consegue ser uma belíssima homenagem à sétima arte ao mesmo tempo em que é um filme absolutamente encantador, sendo merecedor de toda a atenção que vem ganhando como grande favorito ao Oscar deste ano.
Escrito pelo próprio Hazanavicius, O Artista se passa no final da década de 1920 e início da década de 1930 e mostra a ascensão e queda do ator do cinema mudo George Valentin (Jean Dujardin). Sendo um grande astro que gosta de colher os frutos de seu trabalho, George está acostumado com o modo com que os filmes são feitos. Mas a chegada do som faz com que sua vida dê uma reviravolta inesperada, já que o cinema mudo acaba perdendo espaço. Enquanto George faz um fracasso atrás do outro, seu grande achado, a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo), sobe cada vez mais na carreira, tornando-se uma verdadeira estrela dos filmes falados.
Em primeiro lugar deve-se admirar a ambição e a coragem de O Artista. Em uma época em que a maioria das pessoas está acostumada a ver filmes falados e cheios de efeitos visuais, vemos aqui uma produção simples e quase que 100% muda. Vendo o filme, percebe-se que metade do impacto que ele causa não aconteceria se ele fosse feito de outra maneira.
Iniciado com créditos que lembram imediatamente os filmes das décadas de 1920 e 1930, O Artista logo nos apresenta ao seu famoso protagonista. Um astro extremamente orgulhoso, George Valentin chama tanto a atenção para si mesmo que sua figura se destaca mais do que seus filmes nos jornais, o que irrita muito o chefe de estúdio, Al Zimmer (John Goodman). Tal orgulho é exatamente o que faz George começar a cair, já que ele acredita cegamente que o som não é o futuro do cinema, uma crença adotada por várias figuras na época, como Charlie Chaplin, que continuou a fazer filmes mudos (entre eles as obras-primas Luzes da Cidade e Tempos Modernos) mesmo quando o som já havia se tornado obrigação para boa parte dos estúdios (seu primeiro filme falado veio apenas em 1940 em O Grande Ditador, outra obra-prima). Detalhes como um fio de cabelo fora do lugar ou um bigode maior do que aquele mostrado no início do filme passam muito bem a ideia de que George está sofrendo com seus fracassos.
Jean Dujardin surge divertido e carismático interpretando o personagem, nos fazendo gostar de George do início ao fim do filme, mesmo quando não concordamos com seus atos. O ator ainda consegue não soar exagerado em cenas mais sérias ou tensas, como no momento em que ele reencontra vários objetos que vendeu em um leilão. Se Dujardin brilha, a bela Bérénice Bejo não fica muito atrás, fazendo de Peppy Miller uma personagem simpática, que aprende cedo com George a não deixar o estrelato subir a cabeça. O relacionamento dos dois personagens apesar de parecer romântico ao longo do filme, não é bem explorado dessa maneira, fazendo deles uma dupla como Fred Astaire e Ginger Rogers (que inspiram uma das melhores cenas do filme). Aliás, a química entre Bejo e Dujardin é brilhante, sendo responsável por alguns grandes momentos do filme, como quando Peppy começa a dançar depois de falar com George nas escadas, em claro sinal de agradecimento por tudo que este fez por ela. Enquanto isso, Uggie, o cachorro que segue George para todos os lados, também é um destaque à parte, divertindo com sua obediência e sua fidelidade.
Michel Hazanavicius faz O Artista da maneira como os filmes mudos eram feitos. A razão de aspecto usada pelo diretor, por exemplo, é a de 1.37:1, muito próxima da usada naqueles filmes (1.33:1). Assim, o diretor é obrigado a fazer alguns planos de conjunto em que precisa distribuir os personagens triangularmente em sua mise em scène, ou seja, alguns em primeiro plano nas pontas da tela e os outros em segundo plano mais para o meio. Além disso, Hazanavicius mostra muito bem como eram exibidos os filmes mudos, com a orquestra tocando a trilha sonora ao vivo, em um vão localizado abaixo da tela.
O diretor tem ao longo do filme uma mescla de momentos inspirados e outros que conseguem alcançar o status de geniais. É interessante, por exemplo, ver ele usar créditos de elenco para mostrar Peppy subindo aos poucos na carreira. E é fascinante o modo como ele constrói um pesadelo de George. Fica óbvio quase desde o início que esta sequência não é real, mas mostra perfeitamente como o personagem teme ser esquecido graças à novidade cinematográfica que surgiu.
O roteiro do diretor ainda conta com diálogos ambíguos absolutamente brilhantes. Em certo momento, um “BANG” que aparece na tela tem um propósito divertido ao mesmo tempo em que traz tensão. Em outro, o “Fim” que aparece ao final de uma sessão de um filme de George, no qual ele aparece afundando em areia movediça, representa não só o final deste filme, mas também o fim da carreira do personagem. Mas quando George fala para Peppy “Eu abri caminho para você!”, temos um dos grandes momentos do roteiro de Hazanavicius. À primeira vista, esta fala poderia apenas lembrar Peppy de que ela foi escolhida por George para um papel em um de seus filmes e que isso desencadeou seu sucesso. Mas depois de pensar um pouco, vi uma pequena alfinetada no cinema atual, já que hoje em dia o público vê filmes mudos com certa indifereça (e o fato de pessoas terem saído durante algumas sessões do filme só reforça isso). Mas sem o sucesso do cinema mudo, os produtores jamais investiriam tanto para tentar melhorar o modo de contar histórias. Ou seja, o cinema falado que conhecemos hoje deve muito ao legado deixado pelos filmes mudos, assim como Peppy deve boa parte de seu sucesso a George.
A direção de arte e os figurinos fazem uma recriação de época impecável, enquanto que a fotografia em preto e branco de Guillaume Schiffman se destaca não só por sua elegância, mas também por conseguir mostrar que a imagem no cinema foi ficando cada vez mais moderna e a vida de George cada vez pior. Se no início do filme, em 1927, temos um preto e branco mais claro, em 1929, quando o estúdio começa a investir apenas em filme falados, temos uma tela um pouco mais escura. Enquanto isso, a montagem realizada pelo próprio diretor ao lado de Anne-Sophie Bion consegue acompanhar muito bem o fracasso de George e o sucesso de Peppy, além de mostrar um pouco da confiança que Hazanavicius tem em sua gags. Quando a esposa de George (vivida por Penelope Ann Miller) aparece fazendo rabiscos na foto dele em uma revista, o diretor logo corta para uma plateia rindo em um cinema, e por ser uma gag divertida, devo dizer que é isso é um belo reflexo do público da vida real.
Contando com uma belíssima trilha sonora de Ludovic Bource, que consegue separar muito bem os momentos mais cômicos daqueles mais sérios, O Artista é uma ótima oportunidade de conhecer um pouco mais sobre uma arte tão inspiradora. É desde já uma das melhores homenagens que o cinema já recebeu.
Cotação:

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