quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Mestre

“Se você descobrir um jeito de viver sem um Mestre, qualquer Mestre, então se certifique de nos avisar, por que você seria o primeiro da história do mundo”, diz um personagem em determinado momento deste O Mestre, sexto longa-metragem de Paul Thomas Anderson. Se pegarmos essa frase e trocarmos a palavra “Mestre” por “Deus”, a questão levantada pelo diretor fica ainda mais interessante. Afinal, vivemos em um mundo em que muitas pessoas seguem uma religião muito mais por obrigação do que por uma crença verdadeira. Nesse sentido, porque devemos seguir alguém ou alguma coisa? Porque o fato de não ter religião define a pessoa como alguém que não sabe o que pensa e por isso deve ser tratada com desdém? Essas são apenas algumas das reflexões que o filme proporciona.
Escrito pelo próprio Paul Thomas Anderson, O Mestre nos apresenta a Freddie Quells (Joaquin Phoenix), um veterano da Segunda Guerra Mundial psicologicamente perturbado e que tenta se encaixar na sociedade pós-guerra, mas sem sucesso. Até que ele encontra o iate de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), líder de um culto filosófico chamado apenas de “A Causa”, que envolve teorias sobre reencarnações e cura espiritual através da psicologia. Freddie se torna aprendiz e braço direito de Dodd, mas mesmo seguindo o estilo de vida do movimento, seu comportamento problemático não muda. Isso faz várias pessoas, inclusive a esposa de Dodd, Peggy (Amy Adams), questionarem sua presença no grupo e também a veracidade das ideias do “Mestre”.
Uma polêmica que O Mestre vem levantando desde sempre é se A Causa seria a famosa Cientologia, religião seguida por astros como Tom Cruise e John Travolta. Ao longo do filme, fica claro que Paul Thomas Anderson usou algumas características dessa religião para compor aquela que se vê na história, seja um método de perguntas e respostas ou como os seguidores atacam aqueles que os questionam. Mas a verdade é que sendo a cientologia ou não, Anderson usa isso para discutir religião de modo geral, e isso é um dos principais elementos que fazem de O Mestre um filme tão interessante. Por que, por exemplo, as pessoas que veem “furos” em movimentos como esse ainda continuam como suas seguidoras? Seria algum medo ou é muito grande a necessidade de acreditar em alguma coisa? E mais: se o estilo de vida dessa religião não traz nenhum bom resultado, isso significa que a pessoa é que não tem uma fé bem desenvolvida ou as teorias é que realmente não funcionam?
O que nos traz a Lancaster Dodd, personagem que é magnificamente interpretado por Philip Seymour Hoffman. Surgindo em cena sempre como um grande sábio, que dá belos discursos e usa seu carisma como ótimo poder de persuasão, Dodd é alguém que as pessoas passam a gostar quase que imediatamente. Mas por trás de todo esse carisma, há um homem inseguro com relação às próprias ideias que defende, o que fica claro nas duas cenas em que ele se irrita com pessoas que o questionam sobre a Causa, xingando-as ao invés de procurar discutir com argumentos válidos. Nas mãos de Hoffman, Dodd se torna uma figura que nunca conseguimos confiar plenamente, principalmente por conta de sua imprevisibilidade, que acaba fazendo com que ele seja alguém perigoso de certa forma. Enquanto isso, sua esposa é quem mais tenta mantê-lo focado naquilo que realmente importa, soando até bastante controladora, e Amy Adams (talvez no papel mais pesado que já teve em sua carreira) consegue torná-la tão confiável quanto Dodd.
Mas não é só Hoffman e Adams quem se destacam em O Mestre. Voltando a atuar depois de toda a confusão que fez com seu falso documentário, Joaquin Phoenix tem nada menos do que a melhor e mais intensa atuação de sua carreira até agora. Investindo em uma postura encurvada e falando com a boca entreaberta, o ator faz de Freddie alguém que parece estar sempre com raiva de alguma coisa. E não deixa de ser interessante que ele diminua um pouco esses trejeitos quando o protagonista vai ver sua antiga paixão, Doris (Madisen Beaty), o que passa perfeitamente a ideia que ela é única pessoa com quem ele realmente se importa, a ponto de procurar ficar um pouco mais apresentável para ela. Além disso, o relacionamento entre Freddie e Dodd chama a atenção por ser muito parecido com o que um cachorro teria com seu dono, algo indicado não só pela maneira infantil como o Mestre se refere a ele (“Meu garoto!”), mas também pela cena em que Freddie defende seu líder atacando os policiais que tentam prendê-lo.
Comandando a narrativa com sua segurança habitual, Paul Thomas Anderson realiza em O Mestre alguns dos melhores momentos de sua filmografia, desde a tensa cena em que Freddie responde perguntas sobre seu passado até a fuga de determinado personagem pelo deserto. O diretor também é inteligente ao trazer Lancaster Dodd sempre de pé em seus discursos, complementando a ideia de sua superioridade, além de ser interessante o fato de ele colocar o personagem em uma sala enorme em determinada cena, passando de maneira clara e econômica o alcance que a Causa está tendo. (Atenção: possíveis spoilers à frente, então recomendo que pule para o próximo parágrafo) E o cineasta não deixa de se posicionar contra a religião que aborda na história, fazendo um personagem preferir sua antiga vida a ter que viver sob a batuta de um líder e suas ideias.
Por ter uma narrativa com grande força e levantar tantas questões interessantes, O Mestre acaba sendo um filme intrigante ao longo de suas quase duas horas e meia de duração, representando mais um belíssimo trabalho daquele que é, sem dúvida, um dos melhores diretores de sua geração.
Cotação:

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