sábado, 30 de agosto de 2014

Cidade das Ilusões

Algo que as pessoas passam boa parte do tempo tentando alcançar, de um jeito ou de outro, é o sucesso. Ter uma vida segura e feliz, que possibilite olhar para trás e pensar que toda a energia gasta para realiza-la foi válida. Alguns cumprem esse objetivo com certa facilidade, outros com incrível dificuldade. E há pessoas que passam a vida inteira buscando isso, mas que parecem não estar destinadas a algo assim. É o caso dos personagens vistos neste excelente Cidade das Ilusões, que John Huston lançou em 1972 e que representou um retorno à boa forma para o diretor, que na época vinha fazendo alguns filmes não muito bem recebidos.

Baseado no livro de Leonard Gardner, o roteiro escrito pelo próprio autor acompanha Billy Tully (Stacy Keach), boxeador que já viveu bons momentos e que agora tenta voltar aos ringues, mesmo em franca decadência. Em seu primeiro dia de treino, ele encontra Ernie Munger (Jeff Bridges), jovem que mostra potencial para ser um boxeador de destaque e que logo segue seu conselho de ir ver o antigo treinador dele, Ruben (Nicholas Colasanto), homem que pode ajuda-lo a conseguir suas primeiras lutas. A partir disso conhecemos as vidas deles e passamos a acompanhar as dificuldades de ambos para alcançarem o tão desejado sucesso.
Cidade das Ilusões apresenta um universo pacato, melancólico, habitado por personagens fracassados, detalhe ressaltado pela ótima fotografia de Conrad L. Hall, que investe bastante em tons pastel. Dessa forma, quaisquer tentativas de mudança por parte daquelas pessoas acabam sendo frustradas. No caso de Tully, vemos um homem fraco, alcóolatra, que foi deixado pela esposa, chega a morar de favor com a ainda mais alcoólatra Oma (Susan Tyrrell) e precisa colher frutas para ganhar algum dinheiro. Quando finalmente consegue uma vitória, o valor desta se revela praticamente insignificante. Enquanto isso, Ernie serve como um contraponto perfeito a Tully, sendo uma figura cheia de energia e que aguenta bem os golpes desferidos contra ele, tanto no ringue quanto no dia a dia. Ele também tem como vantagem clara o fato de ser jovem e, portanto, não ter tido tantas decepções quanto seu colega boxeador. E não é surpresa ver que Tully em determinados momentos aparece dando conselhos para Ernie, o que indica seu pensamento de que o rapaz pode ser alguém muito melhor do que ele, isso se não cometer os mesmos erros.
Conduzido com grande sensibilidade por Huston, que ainda traz uma veracidade admirável a narrativa, Cidade das Ilusões também conta um elenco inspiradíssimo, a começar por Stacy Keach, até então um ator não muito conhecido, mas que aqui tem uma atuação digna de prêmios. Desde a postura em cena até a voz arrastada, Keach encarna Tully como alguém cujo jeito de derrotado é muito mais forte do que sua capacidade de vencer. Já Jeff Bridges, que estava em ascensão e recém havia sido indicado ao Oscar por A Última Sessão de Cinema, encarna Ernie Munger com grande carisma e vitalidade, tendo ainda uma dinâmica interessante com Keach. Também merecem destaque Susan Tyrrell, que rouba a cena sempre que aparece (não à toa sua indicação ao Oscar foi a única que o filme recebeu), e Nicholas Colasanto, que faz de Ruben um treinador ansioso para tornar seus pupilos vencedores.
Cidade das Ilusões é um filme delicado de John Huston, e seus personagens ficam na cabeça do espectador por um bom tempo. Pode não ser uma das obras mais lembradas do cineasta, mas merece tanta atenção quanto alguns de seus trabalhos mais elogiados. O que significa muita coisa, considerando que estamos falando de um diretor bastante celebrado.
Nota:

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Lucy

A teoria de que nós usamos apenas 10% de nossos cérebros rende várias discussões, em parte por ela explicar o fato de muitas pessoas não realizarem tantas coisas quanto poderiam. Mesmo que na prática quase todos os especialistas digam que se trata de uma teoria falsa, isso não impede que alguém possa usá-la como ponto de partida para um filme, como foi no medíocre thriller Sem Limites, dirigido por Neil Burguer e estrelado por Bradley Cooper. Agora é Luc Besson quem resolve montar uma história a partir disso neste Lucy, que coloca Scarlett Johansson no centro de uma eficiente mistura de filme de ação com ficção científica.

Lucy se concentra na personagem-título (vivida por Johansson), uma jovem estudante que é forçada pelo namorado a entregar uma maleta a um certo Sr. Jang (Choi Min-sik, o eterno Oh Dae-su, de Oldboy). O que deveria ser uma tarefa simples se complica quando Jang resolve usar Lucy como mula para transportar uma nova e potente droga chamada CPH4, implantando-a na barriga da moça. Mas um de seus capangas a agride, fazendo o pacote se romper e permitindo que a substância entre em contato com o organismo dela. Como resultado, Lucy ganha habilidades inimagináveis graças ao fato de a droga expandir suas atividades cerebrais, que aumentam à medida que o tempo passa. Mas a jovem também fica em seus últimos momentos de vida, e ao mesmo tempo em que precisa lidar com Jang e seus capangas, ela pede ajuda ao Professor Samuel Norman (Morgan Freeman) para entender o que está acontecendo e saber o que deve fazer com seus recém-adquiridos poderes.

O modo como Besson desenvolve sua premissa não tem uma lógica bem estabelecida, iniciando quase como um filme de super-herói e em outro momento se aproximando de Transcendence, a fraca ficção científica estrelada por Johnny Depp recentemente. E devido a isso, chega a ser engraçado (mesmo que um tanto bobo) que Lucy possa ler mentes usando cerca de 20% de sua capacidade cerebral ou simplesmente não sinta dor, detalhe que rende uma cena divertidamente over em um hospital, quando ela vai tirar o pacote com CPH4 de seu corpo. Mas aos poucos o diretor-roteirista mostra que, na verdade, sua proposta é acompanhar Lucy perdendo gradativamente tudo aquilo que a faz humana, com ela buscando então usar os poderes para repassar seus conhecimentos e, de alguma forma, ajudar as pessoas a se tornarem seres melhores do que são. Nisso, o filme usa sua protagonista para fazer quase que um estudo da evolução humana, algo até surpreendente de se ver na história.

Iniciando como uma jovem extremamente vulnerável e demonstrando grande segurança depois que ganha os poderes, Lucy se revela uma protagonista forte e ideal para a história. Sendo assim, boa parte da eficiência do filme se deve a Scarlett Johansson, atriz que desde o ano passado vem escolhendo sabiamente os projetos para os quais dedica seu talento. Johansson carrega a narrativa maravilhosamente bem, retratando as mudanças de sua personagem admiravelmente ao interpreta-la praticamente como um androide durante quase toda a projeção, o que é perfeito para a proposta do filme.

No entanto, Lucy sofre com problemas de ritmo que enfraquecem o resultado final. No início, por exemplo, Luc Besson se concentra na tensão que a protagonista enfrenta com Jang, mas várias vezes ele resolve parar isso para dar espaço às explicações de Samuel Norman sobre o funcionamento cerebral das pessoas, o que é feito de maneira expositiva e aborrecida. Aliás, é uma pena que Morgan Freeman apareça basicamente para dar essas explicações, não tendo muito mais o que fazer ao longo da história. Além disso, não podemos esquecer que Besson também busca fazer um filme de ação, incluindo algumas perseguições e tiroteios, mas essas sequências não são muito interessantes, já que Lucy é poderosa demais. Dessa forma, em nenhum momento pensamos que ela terá dificuldades para se livrar dos vilões. E por mais curiosa que seja a presença de Choi Min-sik, seu Jang nunca se mostra ameaçador.

Trazendo ainda um final que leva a premissa a níveis impressionantes, apesar de absurdos, Lucy rende um entretenimento satisfatório. E considerando que Luc Besson tem uma carreira com mais pontos baixos do que altos, não deixa de ser uma surpresa que depois do divertido A Família ele tenha até conseguido manter a consistência.

Nota:

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

No Olho do Tornado

Há quase 20 anos, o holandês Jan De Bont tentou dar continuidade a sua carreira de diretor (tão bem iniciada em Velocidade Máxima) com um filme-catástrofe que focava um grupo de pessoas que enfrentavam a fúria de tornados em meio a tempestades violentas. Nisso havia uma historinha boba, cheia de clichês e momentos ridículos envolvendo seus fracos personagens, detalhes que tornavam aquela superprodução um verdadeiro embaraço apesar de seus ótimos efeitos visuais. O filme como todos devem saber foi Twister, e é impossível não se lembrar dele ao longo deste No Olho do Tornado. Até por que se compararmos os dois, a qualidade é praticamente a mesma e ambos têm problemas em comum, provando que ninguém aprendeu ainda como fazer um filme-catástrofe com esse tipo de fenômeno natural.

Escrito por John Swetnam, No Olho do Tornado apresenta várias pessoas na cidade de Silverton, em um dia aparentemente tranquilo. Gary Morris (Richard Armitage, também conhecido como o Thorin Escudo-de-Carvalho de O Hobbit), vice-diretor da escola local, organiza a formatura dos alunos com a ajuda de seus filhos, Donnie (Max Deacon) e Trey (Nathan Kress), que gravam os depoimentos de todos para uma cápsula do tempo que será aberta dali 25 anos. Quando a meteorologista Allison Stone (Sarah Wayne Callies, também conhecida como a Lori Grimes de The Walking Dead) prevê ao lado de seus colegas caçadores de tempestades que tornados estão indo em direção à cidade, eles correm para lá para tentar estuda-los. E enquanto a maioria dos habitantes tenta sobreviver de qualquer forma ao caos que se instala no local, Gary e Trey têm a ajuda de Allison e sua equipe para ir resgatar Donnie, que ao lado de Kaitlyn (Alycia Debnam Carey) está preso nos destroços de uma fábrica de papel.

Aos poucos, No Olho do Tornado se mostra incrivelmente óbvio, e na esperança de conseguir ter um elemento humano por quem o espectador possa se importar ao longo da história, o roteiro cria vários personagens e dedica algum tempo ao desenvolvimento dos conflitos de cada um. O problema é que é difícil se importar com figuras tão aborrecidas e com dramas pessoais clichês e desinteressantes, como o fato de Gary ser duro demais com Donnie e Trey ou Allison não conseguir dar tanta atenção à filha pequena. E é claro que basta uma experiência de quase morte para que tudo isso se concerte. Sem falar que o filme ainda perde tempo com a dupla Donk (Kyle Davis) e Reevis (Jon Reep), que deveriam servir como alívio cômico do projeto, mas se revelam absolutamente irritantes com seu jeito Jackass de ser, tornando-se logo de cara aqueles que mais merecem um destino cruel. Dessa forma, quaisquer tentativas do diretor Steven Quale (responsável pelo quinto exemplar da série Premonição) de impor tensão em volta dos personagens vão por água abaixo, por mais desesperadora que seja a situação na qual eles se encontram. 

Quale que, aliás, se vê tendo que usar o formato de found footage para contar a história, com alguns personagens usando câmeras para filmar o que está acontecendo. No entanto, isso causa uma grande bagunça na narrativa, já que em vários momentos o diretor deixa de utilizar o formato quando este é desnecessário ou inconcebível em cena. A consequência disso é que constantemente pensamos “Quem está filmando isso agora?”. Além disso, a preferência dos personagens em filmar os tornados ao invés de correrem por suas vidas (não são poucas as cenas em que eles aparecem dizendo “Preciso filmar isso!”) apenas mostra o nível de estupidez deles, e acaba sendo mais do que merecido quando alguém morre por causa disso.

É possível ver que um filme-catástrofe não está dando certo quando o espectador torce por toda a destruição que está acontecendo, e não pelos personagens que são afetados por ela. No Olho do Tornado entra facilmente nesse caso. E assim como Twister, ele até tem efeitos visuais elogiáveis por conceberem de maneira convincente os estragos vistos na história. Mas isso ainda é pouco para salvar o filme de ser um desastre.

Nota:

sábado, 23 de agosto de 2014

As Tartarugas Ninja (1990)

Criadas em 1984 por Kevin Eastman e Peter Laird em histórias em quadrinhos que seguiam um tom mais sério, as Tartarugas Ninja vieram a fazer um grande sucesso pouco tempo depois, com vários produtos que cativavam, principalmente, as crianças. Nisso entra, por exemplo, a famosa série animada na televisão, que com toda sua diversão marcou os dias de quem cresceu nas décadas de 1980 e 1990. Sendo assim, foi apenas questão de tempo até elas chegarem pela primeira vez às telonas. Isso ocorreu neste As Tartarugas Ninja, filme leve lançado em 1990 que consegue fazer graça ocasionalmente.

Escrito por Todd W. Langen em parceria com Bobby Herbeck a partir do argumento deste último, As Tartarugas Ninja acompanha os personagens-título Leonardo (David Forman e voz de Brian Tochi), Raphael (Josh Pais), Michelangelo (Michelan Sisti e voz de Robbie Rist) e Donatello (Leif Tilden e voz de Corey Feldman). Ao lado de seu mestre, o rato Splinter (Kevin Clash), eles lutam contra o Clã do Pé, que vem cometendo crimes em Nova York sob as ordens do Destruidor (James Saito e voz de David McCharen). Ao descobrir o lugar onde o grupo reside, o Clã sequestra Splinter, e é então que as Tartarugas se empenham a encontrar e salvar seu mestre, tendo para isso a ajuda da repórter April O’Neal (Judith Hoag) e do vigilante Casey Jones (Elias Koteas).
Através da breve sequência inicial que apresenta uma reportagem de April sobre os crimes do Clã do Pé, o filme deixa claro que irá abraçar com gosto suas raízes infantis. Quando roubos são realizados, eles acontecem rapidamente em sequências que as pessoas (ou a própria câmera) desviam o olhar, o que vale até para um caminhão lotado de produtos. É um detalhe que lembra o bom humor de desenhos animados, e o diretor Steve Barron (que nunca fez nada de muito relevante, sendo que este é o trabalho mais expressivo de sua carreira) mantém isso ao longo de toda a narrativa. Isso fica evidente ainda no flashback que mostra as origens das Tartarugas ou pelas próprias gags desenvolvidas pelo roteiro, que funcionam razoavelmente bem na maioria das vezes. Como, por exemplo, quando os heróis estão na casa de April e precisam se esconder rapidamente.
No entanto, se por um lado é bem alto astral ver o divertimento em volta dos personagens e a dinâmica entre eles, por outro o filme em vários momentos se revela muito bobo. A subtrama romântica entre April e Casey, por exemplo, é o velho clichê do “casal que se odeia, mas se ama”, se desenvolvendo de maneira bem óbvia. O roteiro também concentra um pouco de seu tempo no aborrecido Danny (Michael Turney), filho rebelde do chefe de April e que se envolve com o Clã do Pé. Ele acaba sendo, de certa forma, o centro da mensagem que o filme tenta passar a respeito de jovens que se envolvem com más influências, que, apesar de nobre, não deixa de ser um tanto desinteressante pelo modo como é tratada.
Já as cenas de ação divertem graças ao bom humor dos personagens, que compensa o fato de serem conduzidas por Barron de um jeito meio desengonçado. Além disso, o filme tem a vantagem de contar com as roupas concebidas por Jim Henson e sua equipe, que soam datadas hoje, mas que ainda assim convincentes pelo peso que tem em cena e pela eficiência no modo como retratam a locomoção e as expressões faciais dos heróis. Assim, As Tartarugas Ninja pode ser precário em alguns aspectos, mas ainda é infinitamente superior ao recente e desastroso blockbuster produzido por Michael Bay. Até porque aqui ao menos é possível beber uma dose de nostalgia.
Nota:

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Sex Tape - Perdido na Nuvem

Casal que costumava fazer sexo sempre que pintava a oportunidade, não importando o lugar, Jay (Jason Segel) e Annie (Cameron Diaz) agora se veem presos a uma vida monótona com seus trabalhos e os dois filhos, não conseguindo arranjar um tempo para voltarem a fazer o que tanto gostavam. Ao ficarem sozinhos em uma noite, eles decidem aproveitar o momento o máximo que puderem, tendo a ideia de gravar um vídeo de sexo. Mas eles não esperavam que uma das melhores noites de suas vidas iria se propagar por vários iPads, que eles deram de presente para pessoas próximas, o que faz os dois começarem uma corrida contra o tempo para pegarem os aparelhos e se certificarem que ninguém assista ao vídeo, principalmente Hank (Rob Lowe), dono da empresa interessada em contratar Annie.

Como podem ver, Sex Tape: Perdido na Nuvem conta com uma história pouco original e previsível com seus personagens unidimensionais, além de o roteiro se mostrar esquemático em determinados momentos (como a forma que Annie e Jay descobrem onde é a casa de Hank). Mas estes não são os principais problemas do filme comandado por Jake Kasdan, já que a produção parte dessa premissa para desenvolver situações engraçadas com a correria de seus protagonistas. E acaba falhando feio nisso ao não conseguir fazer com que suas gags funcionem, desde a luta clichê entre Jay e um cachorro até a pequena invasão que ele e Annie fazem no final do segundo ato. Claro que o roteiro tem algumas boas sacadas, como o contraste entre o visual de Hank e as coisas que ele gosta, mas estas são poucas e não ajudam o filme a se sustentar. Além disso, ao longo da história não chegamos a realmente nos importar com o que acontece com os personagens, mesmo que Cameron Diaz e Jason Segel tragam algum carisma a eles.

Bobo, desinteressante na maior parte do tempo e trazendo aquele que deve ser um dos vídeos de sexo mais sem graça já feitos, Sex Tape é uma comédia que é esquecida assim que as luzes do cinema são acendidas.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Os Mercenários 3

Desde que Sylvester Stallone deu início a agora franquia Os Mercenários, a proposta dos filmes tem sido reunir astros de ação icônicos que, em sua maioria, viveram o ponto mais alto de suas carreiras entre as décadas de 1980 e 1990, mas que atualmente estão em decadência. Tal reunião é aproveitada para homenagear um pouco o gênero no qual eles fizeram tanto sucesso. É uma proposta bacana, mas que não tem sido tão bem aproveitada, e nenhum dos filmes da série tem mostrado muita relevância. Se o primeiro exemplar foi fraco, o segundo soube divertir com certa eficiência, o que foi o suficiente para agradar. Com a lógica de trazer mais astros a cada novo capítulo, a franquia chega a Os Mercenários 3 com um elenco ainda mais interessante, detalhe que praticamente salva o filme, que segue à risca a fórmula de seus antecessores.

Escrito por Sylvester Stallone em parceria com o casal Creighton Rothenberg e Katrin Benedikt, Os Mercenários 3 começa novamente com Barney Ross (Stallone), Lee Christmas (Jason Statham) e o resto da equipe em uma grande missão, dessa vez para resgatar Doutor Morte (Wesley Snipes), mais conhecido como Doc, velho amigo de Barney que costumava fazer parte do grupo original de Mercenários. Tudo isso para que o time tenha outro nome de peso para sua missão seguinte na Somália: eliminar o comerciante de armas Victor Min e interceptar seu carregamento. Mas lá eles descobrem que Min é na verdade o criminoso de guerra Conrad Stonebanks (Mel Gibson), que ajudou a fundar os Mercenários antes de trair o grupo. É então que Barney decide dispensar seus amigos para poupar a vida deles, preferindo ir atrás de Stonebanks com uma equipe jovem formada por Smilee (Kellan Lutz), Luna (Ronda Rousey), Thorn (Glen Powell) e Mars (Victor Ortiz).

Ao trazer logo de cara um Wesley Snipes com um visual acabado sendo resgatado da prisão por seus companheiros de gênero, Os Mercenários 3 faz uma brincadeira curiosa com a realidade, considerando que o ator realmente passou os últimos anos preso (e reparem que nem me referi a Snipes por seu personagem, já que a proposta da sequência é claramente colocar ele mesmo de volta à ativa). É uma sequência que ressalta o que mencionei inicialmente: a série existe para que esses ícones possam voltar aos holofotes, fazendo isso com bom humor. E mesmo que isso seja bastante saudosista, o diretor australiano Patrick Hughes (cuja experiência em longas- metragens se resume a Busca Sangrenta, que não vi ainda) não tenta engrandecer demais a presença de seus astros, não inserindo uma trilha grandiosa quando cada um aparece em cena, preferindo tratá-los como figuras comuns dentro daquele universo, o que se mostra acertado porque do contrário ele apenas destacaria de maneira óbvia o peso que aqueles nomes todos têm.

Quanto às cenas de ação, vale dizer que elas até são conduzidas com segurança por Hughes, merecendo destaque a grande energia que ele impõe na longa sequência do terceiro ato, que se passa em um prédio em construção. No entanto, o diretor investe em coisas que tiram muito da graça desse quesito do filme. Uma delas é a aparente indestrutibilidade dos personagens, que faz com que em nenhum momento o público sinta que eles correm risco de vida, destruindo qualquer tipo de tensão da narrativa. Contribui para isso também o velho clichê dos capangas com a pior pontaria do mundo, algo impressionante se levarmos em conta que eles têm à disposição desde tanques a helicópteros, enquanto que os heróis não precisam nem olhar para seus alvos para acertá-los, saindo ilesos na maioria das vezes (Stonebanks, inclusive, chega a fazer piada com isso). Para completar, o cineasta constrói boa parte das explosões e outras destruições através de efeitos visuais muito pouco convincentes.

Enquanto isso, o roteiro tem uma história maior do que a dos filmes anteriores, mas que traz elementos clichês e bobos, como a birra entre a velha guarda e a jovem guarda, além de ter um desenvolvimento um tanto previsível. E já que mencionei o sangue novo do elenco, vale dizer que isso é uma versão expandida do papel de Liam Hemsworth no filme anterior, e os personagens não deixam de ser uma maneira de representar os jovens que cresceram acompanhando as grandes estrelas do elenco. Ao menos é preferível vê-los dessa forma, porque se vier a depender de atores aborrecidos como Kellan Lutz para serem seus futuros astros, o cinema de ação provavelmente estará perdido.

Mas apesar seus problemas Os Mercenários 3 é capaz de divertir. Acompanhar figuras conhecidas da franquia como Stallone, Jason Statham e Arnold Schwarzenegger interagindo uns com os outros e com novos colegas ainda causa certo deleite, mesmo que já estejamos no terceiro exemplar da série e alguns deles apareçam apenas para pegar uma arma e sair atirando para todos os lados, como no caso de Jet Li. Ver todos esses caras lutando lado a lado nas cenas de ação, fazendo piadinhas e repetindo seus bordões (como Schwarzenegger faz em determinado momento) é o que o filme tem de melhor, e é o que o torna narrativamente interessante ao longo de suas duas horas de duração.

Merecendo destaque também a participação irritantemente engraçada de Antonio Banderas, interpretando Galgo, e a ótima vilania de Mel Gibson como Stonebanks (o segundo vilão consecutivo do ator, o que indica o quão suja está sua imagem), Os Mercenários 3 é outro filme da série que até poderia ter aproveitado melhor seu potencial. Mas por trazer heróis de ação se divertindo no meio que conhecem tão bem acaba rendendo algum entretenimento, mesmo não sendo um dos mais memoráveis.

Nota:

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

As Tartarugas Ninja

Tendo protagonizado no início da década de 1990 uma trilogia que é esquecível para boa parte das pessoas (para algumas, como eu, ela ainda se salva, mas mais pela boa dose de nostalgia que proporciona do que por qualquer outra coisa) e uma animação razoável em 2007, as Tartarugas Ninja são personagens que têm potencial para render aventuras divertidas. Sendo assim, trazê-las novamente para as telonas em um novo filme live-action não deixa de ser uma ideia válida. No entanto, é lamentável que elas retornem em uma superprodução tão besta como esta dirigida por Jonathan Liebesman (responsável por bobagens como Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles e Fúria de Titãs 2) e produzida por Michael Bay (que dispensa apresentações).

Escrito pela dupla Josh Appelbaum e André Nemec em parceria com Evan Daugherty, As Tartarugas Ninja apresenta a repórter April O’Neil (Megan Fox), que está em busca de um grande furo que a torne mais respeitada em seu meio de trabalho. Para isso, ela investiga a organização conhecida como Clã do Pé, que vem aterrorizando Nova York. É então que em uma noite ela presencia os criminosos sendo atacados por quatro vigilantes misteriosos, que revelam serem Leonardo (Pete Ploszek e voz de Johnny Knoxville), Raphael (Alan Ritchson), Michelangelo (Noel Fisher) e Donatello (Jeremy Howard), tartarugas mutantes, adolescentes e ninjas. Ao lado de seu mestre, o rato Splinter (Danny Woodburn e voz de Tony Shalhoub), eles tentam acabar com os planos do maléfico Destruidor (Tohoru Masamune), líder do Clã, e seu pupilo Eric Sachs (William Fichtner), que pretendem dispersar uma forte toxina pela cidade.

Ao começar com um prólogo que, apesar de ser esteticamente interessante por referenciar as raízes quadrinísticas dos personagens-título, já trata de estabelecer de forma bem expositiva quem estes são, As Tartarugas Ninja dá os primeiros sinais de que conta com um roteiro preguiçoso. Isso é comprovado depois não só em cenas que praticamente param o filme para que elementos da trama sejam explicados para o espectador (como no flashback que mostra a origem dos heróis e a relação deles com April, que é tratada de maneira muito esquemática), mas também no próprio desenvolvimento dos personagens, que se revelam figuras unidimensionais com as quais não conseguimos nos importar durante da história. E ao tentar abraçar o bom humor pelo qual as Tartarugas Ninja ficaram conhecidas ao longo dos anos, o filme se esforça demais para ser engraçado, falhando miseravelmente neste quesito ao trazer gags bobas e pouco criativas, chegando a ser impressionante o fato de ele ter dois alívios cômicos nas peles de Michelangelo e do cinegrafista Vernon Fenwick (interpretado por Will Arnett) e nenhum deles funcionar como deveria.

Enquanto isso, Jonathan Liebesman busca empolgar com grandiosas sequências de ação repletas de efeitos visuais. Mas o diretor parece não ter noção do que está fazendo, considerando que ele não consegue deixar clara a lógica visual das cenas e utiliza uma montagem cheia de cortes rápidos confusos (e não duvido caso Michael Bay tenha dado tapinhas em suas costas, tamanho orgulho). Sem falar na fotografia do geralmente competente Lula Carvalho, que por vezes é muito escura, ficando ainda pior graças aos óculos 3D, tecnologia que não adiciona nada a narrativa. Assim, Liebesman cria sequências bagunçadas e aborrecidas, seja a batalha que ocorre no esgoto, a perseguição na neve ou a luta final. Além disso, se o performance capture usado para conceber os personagens-título convence em boa parte do tempo, de vez em quando eles não deixam de parecer meros bonecos artificiais, prejudicando o envolvimento do público, diferente do que acontece com os macacos no recente Planeta dos Macacos: O Confronto.

As Tartarugas Ninja deixa a impressão de um filme feito às pressas, que se contenta em seguir a mesma cartilha de produções como Transformers ao invés de tentar ser algo mais cativante. Gostaria de ter saído do cinema repetindo bordões como “Cowabunga”, mas a experiência de assistir ao filme é desinteressante demais para isso.


Nota:

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Sabotagem

Após construir uma carreira como roteirista que ficou calcada quase exclusivamente em filmes policiais (seu maior destaque até então foi Dia de Treinamento), David Ayer decidiu tomar as rédeas de direção também. Apesar de seus primeiros esforços, Tempos de Violência e Os Reis da Rua, terem sido razoáveis, o realizador e escritor entregou um grande filme em Marcados Para Morrer. No entanto, é uma pena perceber que após uma obra tão admirável ele tenha caído tanto de nível neste Sabotagem, um ponto baixo em sua carreira e também na do astro Arnold Schwarzenegger.

Escrito em parceria com o medíocre Skip Woods (que entre outras porcarias fez X-Men Origens: Wolverine e o quinto Duro de Matar), Sabotage acompanha a equipe do DEA liderada por John “Breacher” Wharton (Schwarzenegger), homem traumatizado pelo assassinato de sua família e que agora busca seguir adiante com seu trabalho ao lado dos parceiros. Mas depois que a frustrada tentativa deles de roubar 10 milhões de dólares de um cartel é descoberta por seus superiores, todos ficam suspensos durante meses. Ao voltarem à ativa, a equipe passa a ter alguns de seus membros assassinados misteriosamente, e Breacher tem a ajuda da agente Caroline Brentwood (Olivia Williams) para descobrir o que está acontecendo e quem está por trás das mortes.
O roteiro de Sabotagem é construído de um jeito bem formuláico. Por exemplo, quando os oficiais começam a morrer fica claro quem sobrará no final das contas (ou morrerá por último). E isso se deve não só pelo modo como os acontecimentos se desenrolam, mas também pelos próprios atores que os interpretam (alguns estão bem mais em alta do que outros ultimamente). Tudo isso numa trama que investe no “whodunit” (quem matou?) para criar um clima de mistério entre os personagens, mas que se revela repleta de reviravoltas que ao invés de ajudarem o filme a ficar mais interessante, apenas o tornam bagunçado, bobo e até mesmo previsível. Como se não bastasse, o longa ainda estica-se mais do que o necessário, pois após do conflito principal ser resolvido temos mais uns dez minutos de história que não fariam falta alguma caso fossem cortados.
As cenas de ação comandadas por Ayer não são muito empolgantes, e em determinados momentos o diretor não consegue estabelecer com eficiência a lógica visual do que está acontecendo. Isso é grave, principalmente quando boa parte da ação se dá através de tiroteios. Ele até tenta prender a atenção ao empregar a montagem ágil de Dody Dorn, mas se esse recurso funciona apenas durante um tempo, não o impedindo de ser desinteressante no geral. Mas vale dizer que o trabalho de Dorn se destaca na sequência em que descobrimos o que aconteceu com um dos integrantes da equipe, ao passo que Breacher investiga sua casa, com as cenas inicialmente aparentando ocorrer na mesma hora para depois descobrimos que são em momentos diferentes.
Além disso, qualquer chance de criar tensão na narrativa vai por água abaixo pelo fato de ser difícil simpatizar com a maioria dos personagens. Seus respectivos destinos pouco importam, e intérpretes como Sam Worthington, Mireille Enos e Terrence Howard não conseguem fazer muita coisa para mudar isso. Enquanto isso, apesar de sempre ter sido um ator limitado, Arnold Schwarzenegger se esforça para trazer seriedade e uma grande presença em cena. Ainda assim, seu personagem um tanto vulnerável, uma característica que poucas vezes se vê associada a ele. Outra que se sai bem é Olivia Williams, que faz de sua Caroline Brentwood a única que parece levar seu trabalho a sério. Ela aparece como uma mulher forte, determinada, mas que infelizmente recebe pouco espaço na trama em comparação à equipe de Breacher.
Assim, Sabotagem se revela uma pequena decepção. Não só porque David Ayer estava evoluindo bem em sua função dupla, mas também por contar com um astro que desde o ano passado tem demonstrado vontade de voltar aos holofotes. Uma pena que a parceria deles não tenha funcionado tão bem.
Nota:

sábado, 2 de agosto de 2014

Life Itself

Roger Ebert é considerado um mestre por muitos críticos de cinema. Escritor reconhecido, dono de um conhecimento monstruoso sobre a atividade que dedicou boa parte de sua vida, Ebert provocava deleite naqueles que acompanhavam seus textos, pois era possível aprender muito sobre a sétima arte com eles, além de termos um ponto de vista interessante sobre cada obra em questão. Foi também importantíssimo para a crítica cinematográfica em si, tendo ajudado a popularizá-la. Sua morte, em 2013, foi uma tristeza não só para seus admiradores, mas para o cinema de modo geral. Na época, Steve James (mais conhecido por seu trabalho em Basquete Blues) estava realizando um documentário sobre Ebert baseado em seu livro de memórias, Life Itself. Sem saber, o diretor terminou captando alguns dos últimos momentos da vida do crítico. O resultado é um documentário que faz jus a grande pessoa que Ebert foi.

Em Life Itself, Steve James faz um belo apanhado da vida de Roger Ebert, passando por momentos como sua chegada ao jornal Chicago Sun-Times, a consagração com o Prêmio Pulitzer (ele foi o primeiro crítico de cinema a receber a honraria), a parceria com Gene Siskel e o casamento com sua amada Chaz. James faz isso ao mesmo tempo em que mostra o impacto que o trabalho de Ebert teve, além de acompanhá-lo em suas idas e vindas ao hospital para tratar o câncer que tanto o afligiu nos últimos anos.
Mesmo com a batalha por sua saúde, Ebert ainda era capaz de dar um sorriso contagiante, de alguém que se encontra feliz mesmo com os obstáculos que enfrenta. Isso não é surpresa alguma, considerando a força e o amor que vêm de toda sua família. Não à toa, muitos aparecem dizendo que Ebert se tornou uma pessoa muito melhor depois que se casou. E como podemos ver ao longo do filme, esse sorriso também vem de alguém que teve uma grande vida, algo que o realizador mostra de maneira bem completa através de imagens de arquivos, fotos e depoimentos de pessoas próximas ao jornalista.
Em meio a isso, é interessante acompanhar o profissional influente que Roger Ebert se tornou, algo que veio em parte graças ao programa de TV que apresentou durante anos ao lado de Gene Siskel. Assim como era com Pauline Kael, as críticas de Ebert poderiam ajudar a dar mais atenção a um filme. Nesse aspecto, ver o excepcional documentarista Errol Morris dizer que deve sua carreira a Ebert é absolutamente notável. O mesmo pode ser dito sobre Martin Scorsese (que, inclusive foi produtor executivo do documentário), que afirma que o apoio que Ebert e Siskel deram a ele o ajudou num período difícil, quando teve problemas com drogas. No entanto, Ebert era um profissional íntegro, e por mais que fosse amigo e entusiasta de alguns cineastas, isso não o impedia de reconhecer quando via um filme problemático feito por eles (o “Ops!” que Scorsese solta em determinado momento soa divertido por isso).
Mas o que surpreendente em Life Itself é o fato deste ser um filme que não teme exibir um lado mais falho do biografado, revelando uma honestidade admirável em sua narrativa. Ebert teve problemas com álcool durante um bom tempo (ficamos sabendo que ele quase parou embaixo de um ônibus por causa disso), além de ser dono de uma arrogância desafiadora, que poderia irritar as pessoas que entrassem em uma discussão com ele. Steve James até insere alguns embates entre Ebert e Siskel, e é difícil não se sentir um pouco desconfortável pelo modo como eles discutem, com um tentando destruir o outro. Aliás, com relação a essa parceria marcante, ainda que os dois críticos entrassem em disputas tensas, é inegável que havia amor e respeito entre eles. Por isso mesmo, é emblemático que o filme traga dois momentos em que a dupla grava um comercial para seu programa de TV, sendo que no primeiro brigam e se xingam, enquanto que no segundo brincam e se divertem.
Life Itself é um documentário que causa reações diferentes ao longo de sua narrativa. Em uma hora pode divertir com naturalidade, em outra pode emocionar sem ser piegas. Mas acima de tudo, é uma homenagem maravilhosa a uma figura que merece todo o reconhecimento possível pelo que representou tanto como pessoa quanto como escritor. Roger Ebert era conhecido por seus “thumbs up” e “thumbs down” (polegares para cima e para baixo), que marcavam as notas que dava aos filmes. Life Itself certamente faz por merecer seus “thumbs up”.
Nota: