sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Locke

Filmes como Locke são do tipo que não aparecem com frequência no cinema. É um trabalho que consiste em seguir apenas um personagem num mesmo cenário durante quase toda a narrativa, e que conta uma história que se passa em tempo real. São limitações que, nas mãos de realizadores menos talentosos, poderiam impedir a realização de uma obra interessante. No entanto, o diretor-roteirista Steven Knight (responsável pelo roteiro dos aclamados Coisas Belas e Sujas e Senhores do Crime, além de ter comandado recentemente o eficiente Redenção, estrelado por Jason Statham) aproveita isso para montar um estudo de personagem instigante, trazendo Tom Hardy naquela que é desde já uma das melhores atuações de sua carreira.

Ivan Locke (Hardy) é um homem bem sucedido em seu trabalho com construções e tem uma boa vida com a esposa Katrina (Ruth Wilson) e os filhos Eddie (Tom Holland) e Sean (Bill Milner). Certo dia, ele recebe uma mensagem de Bethan (Olivia Colman), mulher com quem passou uma noite há alguns meses e que agora está entrando em trabalho de parto prematuramente. Enquanto se dirige para casa assistir a um jogo de futebol com a família e se preparar para um grande serviço que terá no dia seguinte, Ivan toma a decisão de ir apoiar o nascimento deste filho inesperado, o que lhe fará perder tudo o que construiu em sua vida.
Tirando a cena inicial, que mostra o protagonista saindo do trabalho e entrando em seu BMW, o filme se passa inteiramente dentro do veículo, e todas as informações que precisamos para entender o que está acontecendo são dadas através das conversas que ele tem pelo celular enquanto dirige à caminho do hospital, em Londres. Dessa forma, Steven Knight é hábil ao construir diálogos que nunca soam expositivos e ajudam no desenvolvimento do personagem, estabelecendo de maneira natural o passado dele – principalmente sua relação com o pai, o que nos faz entender o porquê dele tomar a decisão que inicia a história. Knight ainda cria uma narrativa envolvente do início ao fim, e com a ajuda da maravilhosa fotografia de Haris Zambarloukos transforma o carro em um lugar inquietante e até claustrofóbico, detalhes que se encaixam perfeitamente no contexto proposto, considerando os conflitos estressantes que o personagem enfrenta ali dentro.
Mas, mesmo com essas qualidades, Locke certamente não teria tanta força caso não tivesse um grande ator à frente de sua trama. Por sorte, Tom Hardy é um dos melhores nomes que surgiram nos últimos anos e encarna o personagem com a complexidade que este merece, e em um mundo justo seria indicado a todos os prêmios por isso. Desde o impulso no modo como muda a direção do carro para Londres até a maneira como fala, que denota certa lamentação na voz por trás de sua calma, Hardy faz de Ivan uma figura muito humana, apesar de falha. Ao longo da história, acompanhamos um homem que claramente gostaria de estar em casa ao invés de dirigindo, mas que tem consciência de que isso não só seria errado como também o deixaria parecido com o próprio pai. Assim, Ivan está constantemente tentando fazer aquilo que é certo, ainda que prejudique pessoas com as quais se importa. E ele sabe que as palavras que trocar pelo celular farão com que sua vida esteja diferente quando colocar os pés para fora do carro, o que, inclusive, torna compreensível o porquê dele hesitar um pouco antes de atender a cada chamada.
Fascinante em seus 85 minutos de duração, Locke é, sem dúvida, um dos melhores filmes dessa temporada. É até uma pena que chegue ao fim e tenhamos que nos afastar de seu excelente protagonista. Mas assim como ele precisa resolver seus problemas e lidar com a nova vida que terá, nós precisamos voltar aos nossos cotidianos, mesmo com os obstáculos que somos obrigados a encarar.
Nota:

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