sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Interestelar

A curiosidade é responsável por boa parte dos grandes passos dados pelo homem em termos tanto de conhecimento quanto de evolução. É o que nos faz querer explorar o desconhecido, por mais estranho que este possa parecer, e cada nova descoberta nos deixa naturalmente mais instigados. Interestelar, novo filme do diretor britânico Christopher Nolan, apresenta um mundo que precisa urgentemente deste tipo de curiosidade, e o que vemos na tela é uma jornada que, apesar de não ser desprovida de problemas, se revela intrigante e tecnicamente brilhante.

Escrito pelo próprio Christopher Nolan em parceria com seu irmão Jonathan, Interestelar se passa em um futuro próximo, apresentando um planeta Terra cada vez mais escasso e que consequentemente está colocando toda a raça humana em risco. Nessa realidade, entra em cena o engenheiro e ex-piloto Joseph Cooper (Matthew McConaughey), que descobre que a NASA tem realizado expedições com o propósito de encontrar outro planeta para ser habitado pelas pessoas, em um projeto liderado pelo Professor John Brand (Michael Caine). É então que Cooper aceita a proposta de se juntar a filha de Brand, Amelia (Anne Hathaway), e liderar a equipe que fará a viagem que explorará os confins do universo, indo além de buracos negros e “buracos de minhoca” para definir o futuro de todos, mesmo que isso o faça deixar seus filhos Murph e Tom (Mackenzie Foy e Timothée Chalamet, respectivamente) para trás sem perspectiva de retorno.

A maior parte da primeira hora de projeção é dedicada para que Christopher Nolan estabeleça a realidade na qual estamos embarcando e apresente elementos que, ao longo da narrativa, servirão como uma espécie de guia para o desenvolvimento das ideias complexas que permeiam a história, o que é feito de maneira orgânica pelo roteiro ainda que inevitavelmente renda sua parcela de diálogos expositivos. Dessa forma, ficamos sabendo não só sobre os planos que John Brand tem para a colonização de outros planetas, mas também que as pessoas parecem estar meio que em um estado de retrocesso, negando algumas de suas maiores conquistas, como a chega do homem à lua. Nesse sentido, não deixa de ser irônico que a aposta para a salvação da humanidade seja exatamente uma exploração espacial. Para completar, ao mostrar que o ambiente na Terra fica revestido de pó, o diretor passa a ideia de um lugar ultrapassado, em um simbolismo curioso e adequado à trama.

É então que a viagem dos personagens tem início e Nolan passa a montar um filme que faz jus ao gênero de ficção científica, com seus conceitos investindo ora no existencialismo, ora no moralismo, passando pela própria natureza humana e trazendo até mesmo o espaço-tempo como um componente importante de toda a equação. Aliás, a relação que Interestelar tem com o tempo é um de seus pontos mais interessantes. O fato de minutos em outro planeta poderem significar anos na Terra adiciona um triste peso ao arco dramático de Cooper, que se vê perdendo a chance de ver seus filhos crescerem (quando adultos eles passam a ser interpretados por Jessica Chastain e Casey Affleck), além de criar uma tensão muito eficiente considerando que perder tempo é a última coisa que o protagonista e os membros de sua equipe querem. É um detalhe que torna eletrizante, por exemplo, a sequência que se passa em um planeta com ondas gigantes.

Tudo isso somado a sua escala absolutamente grandiosa faz de Interestelar uma bela experiência cinematográfica, e assisti-lo em uma sala IMAX expande isso consideravelmente. O design de produção de Nathan Crowley, com o auxílio dos impressionantes efeitos visuais, dá atenção aos mínimos detalhes das naves, “buracos de minhoca” e tudo o que vemos no espaço, sendo hábil também ao trazer certa precariedade a Terra futurista, que ainda assim se mantém como um lugar esteticamente mais cativante do que os outros planetas que vemos na história. Em meio a isso, é perceptível a influência que 2001: Uma Odisseia no Espaço tem no filme, algo que pode ser visto pelo modo como Christopher Nolan comanda determinadas sequências no espaço, além de elementos como o robô que ajuda os personagens nas expedições (uma mistura de HAL 9000 com um monólito) e a trilha de Hans Zimmer, que em alguns acordes lembra “Also Sprach Zarathustra” e dita bem o ritmo da narrativa.

Enquanto isso, o excelente Matthew McConaughey encarna Cooper com sua competência habitual, criando um personagem determinado e que tem na relação com os filhos (Murph em especial) seu lado mais vulnerável, e até por isso a cena em que ele chora ao ver uma mensagem deles é um momento particularmente tocante do filme. Já Murph é interpretada por Jessica Chastain com uma compreensível amargura, mas que não a impede de se manter conectada ao que seu pai está fazendo, vindo a ser uma pupila do Professor Brand, que tem em Michael Caine um intérprete que estabelece sua importância e inteligência desde o princípio. E se Anne Hathaway e Casey Affleck não tem muitas chances para tornar Amelia e Tom interessantes, detalhe que se deve mais ao modo um tanto raso com que o roteiro os desenvolve, o ator que interpreta um certo Dr. Mann (e que prefiro não revelar aqui) consegue subverter bem as expectativas do público considerando os tipos de papeis que ele costuma aceitar.

Mas mesmo com todas suas qualidades, Interestelar encontra problemas que o impedem de ser outra obra-prima do currículo Christopher Nolan. A cena em que Amelia e Cooper discutem como o amor transcende o espaço-tempo, por exemplo, não se encaixa direito na trama, talvez por o diretor tratar esse assunto com muito mais racionalidade do que sensibilidade, o que é uma pena se levarmos em conta que isso é importante para a narrativa. E apesar de o roteiro conseguir criar uma lógica interna que faz funcionar coisas absurdas do terceiro ato, é inegável que algumas delas ainda soam forçadas, caindo até no bom e velho deus ex machina.

Interestelar não é o melhor filme do ano e muito menos o melhor de Christopher Nolan, mesmo representando seu trabalho mais ambicioso por tudo o que explora. Mas no fim ainda é um ponto positivo para o diretor, sendo uma ficção científica admirável durante suas quase três horas de duração, não ficando no lugar-comum e se mostrando repleta de grandes momentos.

Nota:

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