quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O Abutre

Em uma cena de O Abutre, a produtora Nina Romina (vivida por Rene Russo) fala para um colega que iniciará o telejornal da manhã com imagens pesadas de um homem sendo socorrido após um tiroteio. “Mas [nessa hora] as pessoas tomam café da manhã”, ele diz. “E elas discutirão a notícia no trabalho”, ela responde. É uma troca de diálogos que expõe a falta de noção tanto das emissoras de TV, que não se importam com o quão impróprio é o conteúdo de certas notícias desde que estas tragam audiência, quanto de grande parte do público, que de certa forma parece deixar sua natureza autodestrutiva florescer ao querer ver violência na tela. É um ponto relevante questionado pelo filme, que explora ao máximo o lado sensacionalista da mídia a partir de uma área pouco conhecida do jornalismo (a dos cinegrafistas freelancers) e de um protagonista muito interessante.

Escrito e dirigido pelo estreante Dan Gilroy, O Abutre se concentra em Louis Bloom (Jake Gyllenhaal), rapaz que está à procura de emprego. Em uma noite, ele vê o trabalho de Joe Loder (Bill Paxton), que chega ao local de um acidente de carro e filma os policiais salvando o motorista, tendo como objetivo vender as imagens para alguma emissora. Louis então monta seu próprio negócio como freelancer, buscando sempre eventos violentos, já que estes são os que dão mais audiência e quanto pior forem mais prestígio podem lhe render diante de Nina (que Russo, aliás, interpreta com o talento que há tempos não se via em seus trabalhos) e seus superiores. No entanto, não demora muito até que ele comece a ignorar princípios éticos e a manipular as coisas para alcançar seus objetivos.

Lidando com um assunto tão intrigante, Gilroy é hábil na forma em que critica a mídia como produtora de conteúdo e, em menor escala, o público como consumidor. Sendo assim, o fato de ele ter Louis como protagonista é bastante apropriado, já que por ele iniciar como um novato na área, nós conhecemos aquele universo junto com ele e aos poucos identificamos as coisas que o diretor-roteirista deseja questionar. Dessa forma, é fácil constatar que para boa parte das emissoras passar uma informação relevante e bem aprofundada para o público é o que menos importa. O que acaba sendo mais interessante para eles é tentar ser o primeiro a lançar um conteúdo bombástico na TV para alcançar grandes números na audiência, e conseguir esse conteúdo é exatamente o que Louis tenta fazer ao longo do filme.

Mas além de fazer esses bons apontamentos, O Abutre se apresenta como um thriller, e nesse aspecto o filme não decepciona. A tensão imposta por Dan Gilroy se faz presente durante quase toda a narrativa, de maneira que o filme se torna tão instigante que é difícil desviar o olho da tela. E se Gilroy já mereceria aplausos pelo suspense que cria em momentos como aquele em que Louis invade uma casa antes da chegada da polícia, a perseguição de carro que acontece no terceiro ato é a cereja do bolo, levando a sério a ideia de que a mídia pode fazer da vida real um verdadeiro espetáculo.

Enquanto isso, Jake Gyllenhaal (um ator que não canso de admirar e que ultimamente tem escolhido lindamente os projetos nos quais se envolve) mostra-se fascinante como o protagonista. Em uma daquelas atuações que fazem o intérprete passar por uma grande transformação física, Gyllenhaal faz de Louis Bloom alguém que beira o autismo, mas de uma forma um tanto sinistra. Trata-se de um sujeito que até pode parecer ingênuo de vez em quando, mas a verdade é que ele sempre sabe exatamente o que está fazendo, sendo uma figura manipuladora por natureza com sua fala rápida e seu olhar atento, algo que pode ser visto desde momentos mais simples, como quando ele tenta trocar uma bicicleta por equipamentos, até a relação que ele desenvolve com Rick (Riz Ahmed), rapaz que ele contrata para ser seu estagiário. Gyllenhaal encarna Louis com intensidade e determinação impressionantes, deixando mais do que clara a paixão que ele cria por seu novo trabalho, vendo este como uma verdadeira forma de arte e não medindo esforços para ser um profissional bem sucedido.

O Abutre busca fazer o público refletir sobre suas questões muito mais do que o manter entretido em toda sua ação. Felizmente, ele consegue fazer as duas coisas com inteligência, sendo mais uma obra que merece destaque em 2014.

Nota:

Um comentário:

Alan disse...

Jake Gyllenhaal compensa os inúmeros erros no roteiro. Bom filme, mas não essa maravilha que estão vendendo.