sexta-feira, 10 de abril de 2015

Coherence

Orçamentos milionários ajudam uma série de produções a criarem os universos grandiosos onde se passam suas histórias ambiciosas e brilhantemente concebidas, e filmes como A Origem não me deixam mentir. No entanto, há realizadores que conseguem usar um orçamento limitadíssimo para desenvolver uma narrativa que se mostra tão complexa e instigante quanto as de várias superproduções. E é aí que se encaixa Coherence, ficção científica que marca a estreia de James Ward Byrkit como diretor. Tendo cerca de 50 mil dólares em mãos, o cineasta realiza uma obra que deve ser uma das mais fascinantes que o gênero produziu nos últimos anos.

Escrito pelo próprio Byrkit a partir do argumento que ele desenvolveu em parceria com Alex Manugian, Coherence começa apresentando quatro casais: Emily e Kevin (Emily Baldoni e Maury Sterling), Beth e Hugh (Elizabeth Gracen e Hugo Armstrong), Lee e Mike (Lorena Scafaria e Nicholas Brendon) e Laurie e Amir (Lauren Maher e o argumentista Manugian). Eles se reúnem em uma noite para um jantar de reencontro, exatamente quando um cometa está passando pela Terra. O fenômeno é o possível responsável por certas anomalias, como problemas na eletricidade e celulares quebrando repentinamente. Mas esses são os menores dos problemas que o grupo de amigos passa a enfrentar durante a noite, já que logo descobrem que a realidade na qual vivem pode não ser a única a coexistir nesse momento.
Com um conceito complexo por natureza (até mesmo a teoria do gato de Schrödinger entra no jogo), o roteiro é brilhante ao explorá-lo o máximo que pode, desenvolvendo-o com inteligência, de forma que o menor dos detalhes (como um curativo) pode vir a causar uma diferença no fim das contas. Assim, Byrkit insere seus personagens em um quebra-cabeça que confia na inteligência do público, nos fazendo pensar constantemente em como cada uma de suas peças se encaixa no contexto geral do filme. Se há outras realidades coexistindo com aquela para a qual somos apresentados, elas trariam os personagens realizando sempre as mesmas coisas? Ou eles estariam com personalidades diferentes e tomando outras decisões? São possibilidades que o roteiro leva em consideração e tornam o filme ainda mais instigante. Claro que, para que tudo fique evidenciado para o espectador, os diálogos acabam sendo bastante expositivos, mas mesmo estes surgem organicamente na narrativa, já que os próprios personagens buscam entender o que está acontecendo, chegando inclusive a fazer marcações para estabelecer algumas coisas.
Mas ainda que seja uma ficção científica que se concentra principalmente em suas ideias, em nenhum momento Coherence se esquece de seus personagens. E se James Ward Byrkit desenvolve com propriedade a inquietação natural decorrente da situação que a história cria, vale dizer que ele encontra uma tensão adicional nas relações entre aqueles casais, não só por conta do passado que cada um tem com o outro (Kevin, por exemplo, pode estar com Emily, mas já esteve comprometido com Laurie), mas também da desconfiança diante do fato de que eles podem muito bem não pertencer à realidade na qual se encontram. Esse desconforto perante a possibilidade de não ser parte daquele núcleo, ou de pensar que alguém não está em sua realidade original, de certa forma envolve aquelas figuras em tons interessantes de Vampiros de Almas, mas sem a parte conspiratória e os alienígenas, obviamente.
Com um elenco eficiente, que encarna com naturalidade seus personagens, Coherence é o tipo de filme que termina já fazendo o espectador ter vontade de assisti-lo novamente. Não por ser complicado de entender em uma primeira sessão, mas, sim, porque a cada visita outros detalhes podem ser percebidos, tornando a experiência de assisti-lo ainda mais rica. E é sempre bom quando um filme chega a esse ponto.
Nota:

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