segunda-feira, 15 de junho de 2015

Lugares Escuros

(Crítica originalmente publicada no Papo de Cinema)

Escritora talentosa, Gillian Flynn tem uma habilidade admirável de criar thrillers interessantes com personagens femininas fortes, o que pode ser visto em livros como Objetos Cortantes e Garota Exemplar. Isso está sendo bem traduzido para o cinema agora que os trabalhos dela estão ganhando suas adaptações, como o excepcional filme que David Fincher conseguiu fazer de Garota Exemplar. Agora coube ao cineasta francês Gilles Paquet-Brenner adaptar o segundo romance da autora, Lugares Escuros, que rendeu um filme que se não é brilhante como o de Fincher, ao menos mostra ser um trabalho de respeito.

Em Lugares Escuros, Charlize Theron interpreta Libby Day, que teve a mãe e as duas irmãs assassinadas em 1985, supostamente por seu irmão, Ben (Corey Stoll), que está preso desde então. O caso é muito popular na cidade, de forma que Libby acaba sendo contatada pelo jovem Lyle (Nicholas Hoult) e, em troca de um apoio financeiro, aceita falar com os membros de um grupo chamado Clube da Matança, que está investigando a possibilidade de Ben ser inocente. Convencida pelo rapaz, ela relutantemente decide encarar seu passado e ajudá-los, correndo atrás de informações para tentar descobrir o que realmente aconteceu.
O roteiro escrito pelo próprio Paquet-Brenner se estrutura a partir de duas narrativas paralelas: a principal, com a protagonista já adulta investigando o caso, e uma outra construída através de flashbacks de 1985, nos quais vemos a mãe dela, Patty (Christina Hendricks), lidando com as sérias dificuldades financeiras da família e com a rebeldia de Ben (então interpretado por Tye Sheridan) pouco antes do crime. Intercalando entre presente e passado, algo que a ótima montagem de Billy Fox e Douglas Crise organiza de maneira orgânica e sem quebra de ritmo, o filme mostra ser não só um thriller, mas também um drama trágico, uma vez que sabemos de antemão o destino daquela família. E de certa forma somos colocados no lugar de Libby, pois à medida que vemos o que ocorreu três décadas atrás, ela também vai organizando isso gradativamente em sua investigação atual.
Se Paquet-Brenner acerta nesse aspecto, também merece créditos por conseguir envolver o espectador em um clima de suspense constante, guiando-o em um mistério que vai ganhando em tensão conforme ele se aproxima de sua resolução. A fotografia de Barry Ackroyd contribui para isso ao investir em sombras e em tons acinzentados, ajudando a transmitir muito do estado dos personagens. Além disso, o diretor-roteirista é inteligente ao não dar ênfase ao apresentar um elemento específico no início da trama, conseguindo surpreender com a importância deste mais tarde.
Como se não bastasse, Lugares Escuros ainda apresenta um bom elenco. Depois da memorável participação no recente Mad Max: Estrada da Fúria, Charlize Theron encarna Libby como alguém que pouco se importa com o que acontece ao seu redor, querendo apenas seguir adiante com sua vida medíocre e sem objetivos, detalhes que se refletem, por exemplo, nas roupas despojadas que usa. E sua relutância em investigar seu passado é compreensível considerando que, se Ben for inocente, todos esses anos que ela viveu teriam sido sustentados por mentiras. Já Nicholas Hoult traz grande carisma a Lyle, de maneira que é até uma pena que ele não tenha mais tempo de cena, ao passo que atores como Chloë Grace Moretz e os já citados Sheridan, Stoll e Hendricks preenchem com talento os espaços que lhes são oferecidos.
Mesmo com todas essas virtudes, não há como ignorar que é incômodo que o roteiro ocasionalmente mastigue a história para o público, o que se percebe em alguns pontos da narração em off de Libby ou no telejornal que resume preguiçosamente a investigação ao final. E por ser um filme que aposta em reviravoltas surpreendentes, Lugares Escuros falha por, em parte, fazer com que sua resolução ocorra um tanto repentinamente, beirando a intervenção de um elemento deus ex machina. De qualquer forma, isso não chega a tirar os méritos da produção, que como um bom thriller é hábil ao conseguir prender a atenção do público, deixando-o curioso com o desenrolar de seus acontecimentos.
Nota:


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