quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A Grande Aposta

A Grande Aposta lida com uma história tão absurda e moralmente delicada que o fato de se apresentar como uma comédia pode ser um indicativo do velho “é rir para não chorar”, e nesse sentido ele se assemelha um pouco ao excepcional O Lobo de Wall Street. Focando nos últimos anos antes da crise financeira de 2008, o filme mostra como esta foi prevista por alguns indivíduos, que por sua vez acabam não sendo os seres mais confiáveis para ter esse tipo de informação, já que eles resolvem tentar lucrar o máximo possível ao invés de fazer algo para impedir os grandes estragos que arrasaram milhões de vidas. Mas por mais triste que seja esse lado da história, o diretor Adam McKay realiza um filme cujo senso de humor funciona maravilhosamente e que nos deixa a par do que aconteceu nos bastidores da crise.

Baseado no livro de Michael Lewis (autor da obra que inspirou o ótimo O Homem Que Mudou o Jogo), o roteiro escrito por McKay e Charles Randolph tem início em 2005, quando o gestor financeiro Michael Burry (Christian Bale) nota a instabilidade do mercado de habitação organizado pelos bancos, tendo a ideia de apostar contra eles o dinheiro de seus clientes por saber que se trata de uma bomba que explodirá em breve. Isso chega aos ouvidos de Jared Vennett (Ryan Gosling), que também olha a possibilidade de lucrar com a situação e avisa por acidente o corretor Mark Baum (Steve Carrell) e sua equipe, convencendo-os a entrar no negócio. Enquanto isso, os jovens investidores Charlie Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock) também decidem aproveitar o que puderem do momento, buscando para isso o auxílio do banqueiro aposentado Ben Rickert (Brad Pitt).

Um dos grandes problemas que o roteiro de A Grande Aposta poderia enfrentar é a própria complexidade do assunto com o qual está lidando, repleto de termos difíceis de decifrar e que deixam confusos qualquer um que nunca ouviu falar neles. Por sorte, o filme mostra ter plena noção disso e já entra no jogo preparado para guiar o público, usando para isso desde a narração em off até a quebra da quarta parede, sem falar nas breves cenas onde figuras como Margot Robbie pausam a trama para explicar detalhes importantes através de uma linguagem mais acessível. Assim, Adam McKay se vê construindo um filme didático, intrigante e que em momento algum subestima a inteligência do público, além de ter o bônus de conseguir divertir imensamente com a forma como coloca todos esses elementos na tela.

Ao mesmo tempo, McMay é hábil ao imprimir uma grande energia na narrativa, o que se deve também à ágil montagem de Hank Corwin, que ainda faz um belíssimo trabalho ao lidar com a própria estrutura do roteiro, acompanhando eficientemente todos os núcleos narrativos e mantendo o ritmo cativante da trama mesmo quando esta é interrompida. Além disso, com a ajuda da fotografia de Barry Ackroyd, o diretor traz um tom por vezes apropriadamente documental à história e que contribui muito para o dinamismo do filme. Mas os maiores aplausos para McKay devem vir pelo fato de que, mesmo optando por um caminho mais cômico, ele não se esquece de dar peso à gravidade dos eventos que se desenrolam na tela, mostrando as consequências dos atos das pessoas que resolveram brincar com o mercado em prol de seus próprios interesses. É algo que vemos, por exemplo, quando uma família aparece tendo que sair de sua casa mesmo sem ter feito nada de errado, sendo que o filme também não deixa de apontar o absurdo do fato de haver quem comemore ou até se vanglorie pelo desastre que está acontecendo.

Para completar, o excepcional elenco apresenta atuações multifacetadas interpretando indivíduos com os quais o espectador é capaz de simpatizar apesar de seus atos. Se Steve Carrell faz de Mark Baum uma figura que não consegue controlar sua inquietação diante dos absurdos que presencia, Ryan Gosling traz seu charme e carisma ao voraz Jared Vennett. Já Christian Bale se destaca ao não exagerar tanto nos maneirismos de Michael Burry, encarnando com naturalidade a excentricidade de um sujeito que vive com a Síndrome de Asperger e parece se importar mais com os números do que com as pessoas ao seu redor. Fechando o elenco, Brad Pitt tem uma atuação discreta como o experiente Ben Rickert, mas exibindo seu cansaço diante das falcatruas em sua área de trabalho.

Analisando a carreira de Adam McKay, repleta de comédias estreladas por Will Ferrell (como O Âncora, Ricky Bob e Os Outros Caras), é um pouco difícil imaginar que ele viria a fazer um trabalho como A Grande Aposta. Mas é bacana ver o diretor surpreender com um filme que, ao lado de obras como Margin Call e o documentário Trabalho Interno, contribui para formar uma visão cinematográfica interessante sobre um assunto tão complexo e marcante em suas consequências.

Nota:


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Creed: Nascido Para Lutar

Creed não deixa de ficar um pouco na mesma posição de seu protagonista. Enquanto este se vê tentando fugir da sombra de seu falecido pai, o longa em si faz o mesmo com relação aos filmes da série Rocky, não querendo ser um spin-off caça-níquel e que usa um dos personagens mais icônicos e adorados do cinema apenas como um mero atrativo. Na verdade, a ideia do jovem diretor Ryan Coogler (do excepcional Fruitvale Station) é até corajosa considerando que, de um jeito ou de outro, ele precisa lidar com o belo legado concebido por Sylvester Stallone e que parecia tão bem concluído no ótimo Rocky Balboa. Mas Coogler exibe segurança na forma como trata todo esse material, resgatando muito das melhores qualidades da série ao contar a história do novo protagonista.

Escrito pelo próprio Coogler em parceria com Aaron Covington, Creed nos apresenta a Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho ilegítimo de Apollo Creed (Carl Weathers) que nasceu depois da morte do boxeador em Rocky IV (o pior da série). Tendo como objetivo seguir os passos do pai, ele vai até a Filadélfia, onde o velho rival e amigo de Apollo, Rocky Balboa, mantém uma vida solitária como aposentado e comandando seu restaurante. Após convencer um relutante Rocky a treiná-lo, Adonis começa a dar seus primeiros passos na construção de seu próprio legado.

Creed não demora a fazer referências à série, colocando Adonis assistindo aos vídeos de uma das lutas entre Apollo e Rocky e até mencionando o secreto terceiro embate entre eles (aquele que finaliza Rocky III), detalhes que podem ser vistos como pequenos, mas que não soam gratuitos e ajudam a inserir organicamente a narrativa no universo da franquia. Aliás, é interessante perceber como, ao ter que levar em consideração tudo o que aconteceu ao longo dos filmes anteriores, Ryan Coogler consegue enriquecê-los a partir do que os acontecimentos deles significam para este exemplar, como a morte de Apollo e o pupilo mal sucedido de Rocky V, que certamente deixaram cicatrizes nos personagens. Sustentando o longa a partir disso, o diretor traz uma grande carga emocional não só para a história de Adonis, mas também para a do próprio Rocky Balboa, com ambos encontrando um no outro o apoio que precisavam para superar frustrações e bater de frente com a realidade que enfrentam.

Esses aspectos dramáticos da narrativa são tratados com imensa sensibilidade por Coogler, que demonstra ter carinho pelos personagens que tem em mãos e desenvolve com cuidado o caminho que eles percorrem. Assim, o filme se mantém fiel ao espírito da série e de vários outros longas do tipo, onde os dramas pessoais são muito mais importantes do que qualquer coisa que aconteça no ringue. Além disso, o diretor impõe uma energia admirável e se mostra disposto a se arriscar, como pode ser notado até em sua preferência por planos-longos, chegando ao ponto de filmar uma luta inteira dessa forma, o que traz intensidade a narrativa e prova que ele tem uma noção espacial invejável.

Mas o coração de Creed está mesmo nas atuações de Michael B. Jordan e Sylvester Stallone. Enquanto o primeiro traz seu carisma habitual a Adonis, um rapaz que, para diminuir o peso e a sombra do sobrenome que carrega, constantemente sente que precisa provar seu talento para as pessoas ao seu redor e até para si mesmo, o segundo faz mais do que voltar confortavelmente a seu principal personagem, trazendo para a narrativa a humanidade e a honestidade que tornaram Rocky uma figura tão fascinante, com a diferença que dessa vez Stallone merece elogios também pela forma como encarna a decadência física de Rocky, que nunca pareceu tão frágil quanto agora. E a dinâmica entre os dois atores é fantástica, refletindo muito a relação de afeto que Rocky tinha com seu antigo treinador, Mickey (interpretado por Burgess Meredith), sendo que ele e Adonis ainda mostram ser capazes de protagonizar momentos hilários (a cena envolvendo uma “nuvem”) e outros de apertar o coração (como aquela no vestiário).

Em um ano em que franquias há muito tempo estabelecidas resolveram voltar (Mad Max e Star Wars foram os grandes destaques nesse sentido), Creed se revela uma surpresa mais do que agradável. É um filme que dá uma bela e natural continuidade a história de um ídolo enquanto apresenta outro personagem com potencial para brilhar. Se isso foi uma passagem de bastão, foi muito bem realizada.

Nota:

sábado, 9 de janeiro de 2016

O Bom Dinossauro

Ao escrever sobre Divertida Mente, mencionei ser um alívio poder dizer que a Pixar havia voltado a acertar depois de passar por um período decepcionante graças a Carros 2, Valente e Universidade Monstros, que representaram uma sequência de filmes aquém do que vinha sendo realizado por John Lasseter e companhia. Por o estúdio ter recém-lançado uma de suas melhores animações, é uma pena vê-lo voltar a escorregar já no filme seguinte, O Bom Dinossauro, uma produção que tem a qualidade técnica que poderíamos esperar, mas não a força criativa que fez a Pixar parecer infalível por tanto tempo.

O Bom Dinossauro se passa milhões de anos após a Terra ter dado sorte de não ser atingida pelo asteroide que dizimou os dinossauros, permitindo que estes vivam tranquilamente. Em meio a isso, o jovem Apatossauro Arlo mal consegue realizar suas tarefas na fazenda de seus pais, Henry e Ida, devido a sua covardia, o que o impede de deixar sua marca no depósito de comida da família, ao contrário de seus irmãos habilidosos Libby e Buck. Mas pouco depois de uma tragédia, Arlo acaba se perdendo da família e ganhando como companheiro o pequeno menino das cavernas Spot, com quem passa por duras situações no caminho de volta para casa.

Dirigido por Peter Sohn, que fazia parte do departamento de animação da Pixar e comandou o curta Parcialmente Nublado, O Bom Dinossauro não demora muito para exibir seu primor visual. Seja ao trazer uma árvore sendo partida ao meio ou ao acompanhar um rio, o filme tem uma fluidez absolutamente admirável na construção de sua animação. Além disso, há momentos em que somos apresentados a cenários que nem parecem ser criações feitas em um computador, como os belos planos que mostram as montanhas ao redor dos personagens. Nada disso é exatamente uma surpresa considerando que uma das grandes características das animações da Pixar é a atenção aos detalhes.

Tudo isso trabalha a favor de uma narrativa que claramente se esforça (e muito) para conquistar a simpatia do público. Mas é uma pena que busque isso através da reciclagem de uma série de elementos já vistos em outros filmes e que acabam servindo para organizar uma história formuláica que, infelizmente, não consegue fugir da obviedade. E por ser possível prever alguns pontos que serão tocados pela trama, o longa perde muito do peso que poderia ter, tornando-se rapidamente desinteressante.

Como se não bastasse, com sua estrutura típica de road movie, o roteiro insere Arlo e Spot em situações que deixam a sutileza completamente de lado ao lidar com a superação do jovem dinossauro quanto a própria insegurança, algo perceptível até mesmo em alguns diálogos (“Se você não sente medo, não está vivo”). Aliás, falando nessas situações, é impressionante que o filme tenha cerca de 90 minutos e ainda assim pareça não ter tanto material para desenvolver a trama e os personagens. Há cenas que pouco acrescentam a eles, como àquela envolvendo um Tricerátopo no meio da floresta, que falha até mesmo em seu propósito de divertir.

Arlo e Spot até revelam ser personagens carismáticos e expressivos, o que compensa um pouco a dinâmica genérica desenvolvida entre eles e cujo único detalhe fora do comum é a inversão de papeis (dessa vez é o humano quem age como um animal de estimação e o dinossauro vira nosso ponto de identificação). Mas isso mostra não ser o suficiente para sustentar o filme, que trata sem muito cuidado o material que tem em mãos e, consequentemente, resulta em uma animação facilmente esquecível. Por estarmos falando da Pixar, dizer isso chega a doer.

Nota:

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados

Quentin Tarantino tem um grande apreço pelas palavras que coloca na boca de seus personagens, algo que às vezes parece ser maior do que seu apreço pelas imagens que cria na tela. Neste seu oitavo filme, Os Oito Odiados, o diretor aciona ao máximo essa característica, chegando até a exagerar, o que torna este o trabalho em que ele mais corre riscos de tropeçar nas próprias pernas. Por sorte, Tarantino é um artista incrivelmente talentoso, e mesmo que sua autoindulgência dê as caras pontualmente ao longo das quase três horas de duração deste seu novo longa, ele ainda consegue dar alma a narrativa riquíssima que conduz, acrescentando mais um belíssimo exemplar em sua brilhante filmografia.

Os Oito Odiados se passa tempos depois do final da Guerra Civil, no congelante inverno do Wyoming, tendo início quando o caçador de recompensas Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) pega carona na diligência que carrega outro caçador de recompensas, John Ruth (Kurt Russell), e a prisioneira dele, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), dupla que está indo a cidade de Red Rock. Lá, Ruth pretende pegar o dinheiro válido por entregar Domergue ao carrasco. No caminho, o espaço na carruagem se estende também a Chris Mannix (Walter Goggins), que está indo a cidade para assumir o posto de novo xerife. Só que uma forte nevasca faz eles terem que se abrigar em um pequeno armazém, onde encontram o mexicano Bob (Demián Bichir), o britânico Oswaldo Mobray (Tim Roth), o velho general confederado Sandy Smithers (Bruce Dern) e o carrancudo Joe Gage (Michael Madsen).

O problema de toda essa situação é que não poderia haver um grupo de pessoas mais inapropriado para convivência. Tarantino nos coloca diante de personagens que se revelam desprezíveis, com personalidades e histórias de vida que fazem com que a paz seja impraticável, e cada um parece fazer questão de mostrar de algum jeito a característica que os define no título do filme. É exatamente a partir da discórdia entre todos que o diretor cria uma atmosfera constantemente inquietante, aspecto que ganha um pouco mais de ênfase no fato de ninguém ali ser digno de confiança. A trilha excepcional de Ennio Morricone ressalta esse detalhe da narrativa muito bem, trazendo temas que não ficariam deslocados caso fossem usados em um filme de terror.

Mas por mais asquerosos que sejam os personagens, se engana quem pensa que isso os impede de serem interessantes, e o elenco merece boa parte dos créditos por isso, com atuações fortes e irreverentes. Como Major Marquis Warren, Samuel L. Jackson interpreta a figura mais inteligente e cruel do grupo, ao passo que Kurt Russell faz de John Ruth àquele que chega mais próximo de se estabelecer como um sujeito correto, e se não podemos classifica-lo plenamente dessa forma é por conta de seu hábito enforcador e dos vários golpes que desfere em Daisy. Esta, por sua vez, é interpretada pela brilhante Jennifer Jason Leigh como uma mulher que, mesmo sofrendo fisicamente quase o filme todo, nunca se mostra fragilizada, exibindo no processo um bom nível de insanidade que a torna implacável em meio aos homens ao seu redor. Já Walton Goggins e Tim Roth divertem com seus personagens (este último, aliás, aproveita bem uma figura que claramente se encaixaria como uma luva em Christoph Waltz), enquanto que Bruce Dern, Michael Madsen, Demián Bichir e Channing Tatum conseguem se destacar em papeis menores.

Conduzindo a narrativa como se tomasse as rédeas de uma peça de teatro, Quentin Tarantino tem noção de que sua trama traz muito do que há de pior na humanidade, de forma que, ao decidir não mostrar para o público os atos que definiram as reputações dos personagens, ele permite que os diálogos façam o trabalho de incitar nossa imaginação, o que se revela mais do que o suficiente. A exceção nesse sentido fica por conta de uma cena específica envolvendo um monólogo de Marquis Warren, uma das melhores e mais impactantes do filme. Para completar, quando o sangue rola solto diante dos conflitos entre os personagens (sendo uma obra de Tarantino, é claro que estamos falando de muito sangue), é notável que o cineasta consiga inserir um comentário pertinente quanto a nossa mania de autodestruição, indicando que toda a violência resultante das desavenças e do ódio existente nos seres humanos apenas mancha o chão que nos sustenta e não nos leva a lugar algum. Não é à toa que, em determinado momento, ele coloca dois personagens teoricamente de lados opostos se ajudando para cumprir um objetivo em comum (por pior que este seja), provando o quão fortes podem ser dessa maneira (e por se tratar de um ato repulsivo, é bom ver que Tarantino aponta a crueldade disso logo depois).

Os Oito Odiados não chega a contar com a agilidade de outras obras de Quentin Tarantino. Mas isso não o torna menos interessante, exibindo uma construção narrativa cuidadosa, inteligente e instigante por parte do diretor, cuja consistência ao longo da carreira é cada vez mais digna de admiração.

Nota:


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Spotlight: Segredos Revelados

Ao longo de Spotlight, é praticamente impossível não lembrar do clássico Todos os Homens do Presidente, um dos filmes de jornalismo essenciais e que certamente lhe serviu de inspiração. Ambos os projetos usam o ponto de vista jornalístico para abordar grandes escândalos, investigando cada peça envolvida até chegar a algo muito maior do que o imaginado originalmente. As propostas deles não deixam de ser as mesmas, com a diferença residindo, claro, nos assuntos tratados. Enquanto a obra-prima de Alan J. Pakula retratava a investigação do caso Watergate (o maior escândalo político da história dos Estados Unidos e que culminou na renúncia do então presidente Richard Nixon), o longa de Tom McCarthy encara os vários casos de pedofilia cometidos por padres e que foram encobertados pela Igreja Católica. E McCarthy utiliza muito bem suas inspirações, fazendo um filme que prova que o jornalismo bem realizado pode ser fascinante de se acompanhar.

Escrito pelo próprio McCarthy em parceria com Josh Singer, o filme apresenta a equipe Spotlight do The Boston Globe, que se dedica essencialmente ao jornalismo investigativo e, no início da década passada, se debruçou nos casos envolvendo padres católicos na cidade de Boston, seguindo a dica do recém-chegado editor-chefe Marty Baron (Liev Schreiber). Com apoio do editor Ben Bradlee Jr. (John Slattery) e liderados por Walter Robinson (Michael Keaton), os repórteres Mike Menezes (Mark Ruffalo), Sasha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James) andam por um caminho longo e árduo para chegar a uma verdade assustadora e que mira altos escalões da Igreja.

Apesar do subtítulo que ganhou no Brasil (Segredos Revelados), Spotlight não chega a revelar nada de particularmente novo com relação ao que está tratando, tendo esses casos sido amplamente abordados em documentários fortes como Mea Maxima Culpa e Livrai-nos do Mal, que já mostravam o modus operandi dos predadores e os passos dados pela Igreja Católica para proteger a eles e, principalmente, a si mesma. Mas mesmo que já saibamos de tudo isso, o que chama atenção aqui é ver como essas informações foram tratadas no lado jornalístico. Nesse sentido, Tom McCarthy faz um belo filme de detetive, onde uma pista leva a outra e os repórteres da Spotlight montam gradualmente o quebra-cabeça que está na frente deles, sendo que o diretor conduz tudo com segurança e não esquecendo de dar o peso necessário às histórias das vítimas.

Em meio a isso, o filme acaba dando uma verdadeira aula de jornalismo. Em determinado momento, por exemplo, alguém pergunta aos repórteres se eles são católicos e, ainda que cada um tenha uma resposta diferente, todos mostram que isso não lhes interessa diante da importância de contar a história, deixando claro que seu comprometimento profissional é com a verdade. O objetivo de todos ali é seguir as pistas, apurar as informações, passa-las para o público e, no processo, fazer justiça pelas vítimas. Para completar, ainda que fiquemos sabendo poucos detalhes sobre a vida dos personagens, isso não os impede de serem multifacetados e humanos, exibindo a competência, a determinação e a paciência necessárias para a realização de seu trabalho, sem falar que eles não conseguem evitar serem afetados emocionalmente pelo que descobrem, aspectos que Tom McCarthy e o fantástico elenco retratam maravilhosamente. Aliás, a dinâmica entre os atores não poderia ser melhor, com todos formando uma equipe de trabalho fabulosa tanto em termos de organização quanto por um lado mais afetivo.

McCarthy ainda é hábil ao impor um tom de urgência na narrativa não só a partir dos obstáculos que a Spotlight enfrenta para cumprir seu objetivo (como o sigilo de documentos importantes ou a fragilidade de certas informações), mas também da própria corrida contra o tempo. Afinal, enquanto a equipe está fazendo seu trabalho, crianças podem estar sendo abusadas e há chances de outro jornal sair na frente deles com uma história incompleta, pouco impactante e que a Igreja poderá superar facilmente. E é exatamente na completude da revelação que o grupo tem em mãos, somada ao empenho de todos, que reside o grande poder para bater de frente com uma instituição tão grande, que usa quaisquer influências para manter sua imagem limpa, como se as coisas boas que realiza entre seus seguidores compensassem os atos horríveis de muitos de seus padres.

Em um mundo justo, o jornalismo visto em Spotlight seria praticado por todos os veículos de imprensa. Mas, infelizmente, certas publicações não veem problema em manipular informações a fim de saciar os próprios interesses, sejam estes quais forem. Mas se elas ainda têm um pouco de ética e noção guardadas em algum canto de suas redações, então este é, assim como Todos os Homens do Presidente, o tipo de filme que, além de retratar eventos importantes, pode fazê-las sentir vergonha.

Nota: