sábado, 27 de fevereiro de 2016

Apostas Para o Oscar 2016


Poucas vezes o Oscar pareceu tão interessante quanto agora, e isso se deve ao nível um pouco maior de imprevisibilidade. Ano passado, a briga ficou pau a pau entre Birdman e Boyhood, de forma que a aposta entre os dois era feita sem uma certeza absoluta. O mesmo ocorre esse ano, mas com três filmes: Spotlight, A Grande Aposta e O Regresso, que dividiram boa parte dos prêmios que servem de termômetro para a premiação da Academia (isso inclui, principalmente, os sindicatos da indústria, como o PGA, o DGA, o WGA e o SAG).

Seguindo o costume anual, hora de apostar:

Melhor Filme

Aposta: O Regresso

Geralmente, o filme que leva o PGA (prêmio do sindicato dos produtores) desponta como o grande favorito no Oscar. Mas apesar de A Grande Aposta ter saído vencedor nessa premiação, o filme que chega com mais força é O Regresso, que recebeu o DGA (prêmio do sindicato dos diretores) e o BAFTA. Surpreendentemente, a campanha do filme nessa temporada de premiações, que bateu o tempo todo na tecla das dificuldades que Alejandro González Iñárritu e sua equipe tiveram durante as filmagens, não criou antipatia ao longo dos últimos meses. Mas, claro, não se surpreendam caso Spotlight ou A Grande Aposta fiquem com o grande prêmio da noite (seria até mais legal, na verdade).o fi

Melhor Direção

Aposta: Alejandro González Iñárritu, por O Regresso
Torcida: George Miller, por Mad Max: Estrada da Fúria

Dar o prêmio de Melhor Direção a um cineasta duas vezes consecutivas não é um costume da Academia. Ao longo de todas as edições do Oscar, isso ocorreu com apenas dois realizadores: John Ford em 1941 e 1942 (por As Vinhas da Ira e Como Era Verde Meu Vale, respectivamente) e Joseph L. Mankiewicz em 1950 e 1951 (por Quem é o Infiel? e A Malvada). Vejam que são dois grandes diretores da história do cinema. Pois essa dupla deverá ganhar a companhia de Alejandro González Iñárritu nesse feito, já que depois de ser agraciado ano passado com Birdman, o mexicano novamente desponta como favorito esse ano por seu trabalho em O Regresso.

Melhor Atriz

Aposta: Brie Larson, por O Quarto de Jack
Torcida: Charlotte Rampling, por 45 Anos

Ninguém conseguiu parar Brie Larson nas premiações. A jovem atriz faturou todos os principais prêmios por seu belíssimo trabalho em O Quarto de Jack e o Oscar será a cereja do bolo.

Melhor Ator

Aposta: Leonardo DiCaprio, por O Regresso
Torcida: Leonardo DiCaprio, por O Regresso, mas dividindo um pouco com Michael Fassbender, por Steve Jobs

É isso aí. Chegou a hora. Os memes vão acabar. A internet vai cair. Leonardo DiCaprio finalmente deve receber o Oscar que já deveria ter há tempos. Ele nunca foi tão favorito como agora. Se ocorrer alguma zebra nessa categoria, isso apenas provará que a Academia tem alguma birra com o ator, que dessa vez até comeu fígado cru em nome da Arte.

Melhor Atriz Coadjuvante

Aposta: Alicia Vikander, por A Garota Dinamarquesa
Torcida: Jennifer Jason Leigh, por Os Oito Odiados

Alicia Vikander foi um dos grandes destaques de 2015. Não só por ser a melhor coisa de A Garota Dinamarquesa, mas também por ter brilhado em Ex Machina e O Agente da U.N.C.L.E. O Oscar que ela deve receber aqui (ainda que ela seja claramente protagonista do filme de Tom Hooper) servirá para coroar seu excelente ano. Mesmo assim, seria interessante se Jennifer Jason Leigh surpreendesse.

Melhor Ator Coadjuvante

Aposta: Sylvester Stallone, por Creed: Nascido Para Lutar
Torcida: Sylvester Stallone, por Creed: Nascido Para Lutar

40 anos depois de nos apresentar a Rocky Balboa, o principal personagem de sua carreira e pelo qual recebeu uma indicação a Melhor Ator, Sylvester Stallone volta ao Oscar exatamente com o mesmo personagem, mas no papel de coadjuvante. E é merecidamente o favorito da noite, tendo uma atuação maravilhosa em Creed, que pontua perfeitamente todos esses anos desenvolvendo um personagem icônico e inspirador.

Melhor Roteiro Original

Aposta: Spotlight
Torcida: Divertida Mente

Spotlight venceu o WGA (prêmio do sindicato dos roteiristas) de Roteiro Original e é um dos favoritos a Melhor Filme. Sua vitória aqui deve ser uma das barbadas da noite.

Melhor Roteiro Adaptado

Aposta: A Grande Aposta
Torcida: A Grande Aposta

Se Spotlight levou o WGA de Roteiro Original, A Grande Aposta ficou com o de Roteiro Adaptado, além de também ser um favorito ao prêmio principal da noite. Outra barbada.

Melhor Animação

Aposta: Divertida Mente
Torcida: Divertida Mente, mas essa torcida se divide para abraçar O Menino e o Mundo

Quando Divertida Mente estreou e mostrou toda sua beleza, o Oscar de Melhor Animação do ano rapidamente ganhou um dono. Será mais um Oscar para a Pixar. Claro que meu coração brasileiro não se importaria com uma zebra chamada O Menino e o Mundo, mas é pouco provável.

Melhor Filme Estrangeiro

Aposta: O Filho de Saul (Hungria)
Torcida: Não consegui conferir O Abraço da Serpente (Colômbia) e A Guerra (Dinamarca), então me abstenho

O Filho de Saul levou tudo quanto é prêmio dessa categoria nos últimos meses e a Academia tem um apreço por filmes sobre o Holocausto. É um dos Oscars mais previsíveis da noite.

Melhor Direção de Fotografia

Aposta: Emmanuel Lubezki, por O Regresso
Torcida: John Seale, por Mad Max: Estrada da Fúria

Se premiar alguém em dois anos consecutivos já não é muito do feitio da Academia, o que dizer de isso ocorrer em TRÊS anos consecutivos? Mesmo sendo ainda mais raro, tudo indica que isso acontecerá com Emmanuel Lubezki, um dos melhores diretores de fotografia da atualidade e que fez um excepcional trabalho em O Regresso. Ele marcará o novo recorde da categoria.

Melhor Montagem

Aposta: Mad Max: Estrada da Fúria
Torcida: Mad Max: Estrada da Fúria

Mad Max é um filme de tirar o fôlego, e boa parte disso se deve a excepcional montagem de Margaret Sixel, que já recebeu uma penca de prêmios, incluindo o Eddie (prêmio do sindicato dos montadores). Mas se for ocorrer alguma surpresa, espero que seja para o lado de A Grande Aposta, que também tem uma montagem impressionante.

Melhor Design de Produção

Aposta: Mad Max: Estrada da Fúria
Torcida: Mad Max: Estrada da Fúria

Mad Max é tecnicamente espetacular e deve fazer a festa em boa parte dessas categorias. Seu design de produção até já foi premiado no sindicato de diretores de arte. A concepção de todo aquele universo é uma coisa de louco, digna de todos os prêmios.

Melhor Figurino

Aposta: Mad Max: Estrada da Fúria
Torcida: Mad Max: Estrada da Fúria

Se o design de produção deve sair por cima, o trabalho de figurinos vai logo atrás, também já tendo sido premiado em seu respectivo sindicato.

Melhor Maquiagem

Aposta: Mad Max: Estrada da Fúria
Torcida: Mad Max: Estrada da Fúria

Outra categoria de destaque para o filme de George Miller. Preciso dizer que ele levou o prêmio do sindicato?

Melhor Trilha Original

Aposta: Ennio Morricone, por Os Oito Odiados
Torcida: Ennio Morricone, por Os Oito Odiados

Ennio Morricone é Ennio Morricone. Ele pode até ter um prêmio honorário, mas nunca levou um Oscar em competição. A Academia sabe que isso é um pecado e que precisa ser corrigido, sem falar que o trabalho do compositor é quase um espetáculo à parte no excelente filme de Quentin Tarantino.

Melhor Canção Original

Aposta: “Til It Happens to You”, de The Hunting Ground
Torcida: “Til It Happens to You”, de The Hunting Ground

The Hunting Ground deveria estar indicado a Melhor Documentário, sendo um longa importante e impactante sobre a máfia de estupros nos campus das universidades americanas. Mas o filme foi lembrado apenas por sua bela canção, e ela se destaca em um ano sem muitos indicados realmente arrebatadores na categoria. Então devemos ter discurso de Lady Gaga no palco.

Melhor Mixagem de Som

Aposta: O Regresso
Torcida: Mad Max: Estrada da Fúria

Outra categoria em que aposto no filme premiado pelo sindicato.

Melhor Edição de Som

Torcida: Star Wars: O Despertar da Força

O costume tem sido dar o prêmio aos longas mais “barulhentos”. Star Wars pode despertar sua força por aqui (sacaram? Despertar... Força... Foi boa, não?).

Melhores Efeitos Visuais

Aposta: Star Wars: O Despertar da Força
Torcida: Mad Max: Estrada da Fúria

Os incríveis efeitos que tomam a tela de Mad Max talvez não sejam páreos ao trabalho feito em Star Wars, que vem recebendo os prêmios na categoria.

Melhor Documentário

Aposta: Amy
Torcida: Não vi What Happened, Miss Simone?, Winter on Fire e The Look of Silence, então me abstenho.

Amy recebeu a maior parte dos prêmios de Melhor Documentário da temporada. Deve faturar aqui também.

Melhor Curta-Metragem

Aposta: Shok
Torcida: Não vi nenhum.

Assistir aos curtas é algo quase impossível e essas categorias são as que mais quebram apostas. Arrisco Shok aqui.

Melhor Curta-Documentário

Aposta: A Girl in the River: The Price of Forgiveness
Torcida: Não vi nenhum.

Mesma coisa da categoria anterior.

Melhor Curta de Animação

Aposta: World of Tomorrow
Torcida: Não consegui assistir a Prologue, então me abstenho.

World of Tomorrow é um filme ambicioso e excepcional. Levou o Annie Award da categoria. Largo as fichas nele.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Orgulho e Preconceito e Zumbis

Existem dois filmes em Orgulho e Preconceito e Zumbis. Um traz de volta as telas o clássico romance de Jane Austen, adaptado para o cinema pela última vez em 2005 por Joe Wright. O outro é um longa de ação onde os zumbis são a grande ameaça. Ambos batem de frente nesta produção baseada no livro de Seth Grahame-Smith, autor que parece ter apreço por ideias inusitadas, sendo ele o responsável pela obra que deu origem ao pavoroso Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros.

Escrito e dirigido por Burr Steers, o roteiro nos leva a Inglaterra do século XIX, onde a sociedade sofre com a presença de zumbis, algo que obriga as pessoas a darem seu jeito para se protegerem, incluindo treinar artes marciais. Nesse contexto, as cinco irmãs Bennett chegaram ao momento de suas vidas em que sua família as pressiona a se casar. Enquanto a primogênita, Jane (Bella Heathcote), se apaixona pelo jovem Sr. Bingley (Douglas Booth), a segunda filha, Elizabeth (Lily James), cria certo desprezo (ou seria amor?) pelo amigo do rapaz, Sr. Darcy (Sam Riley), além de exibir uma postura questionadora com relação aos costumes da época.

O filme segue praticamente à risca a obra de Jane Austen, de forma que não é à toa que ela é creditada como tendo co-escrito a versão zumbificada ao lado de Grahame-Smith. No entanto, é curioso que grande parte do que há de cativante na narrativa não venha da premissa em si, mas sim de detalhes que mostram a força das mulheres da história. Quando conhecemos as irmãs Bennett, por exemplo, não vemos jovens costurando ou fazendo algum outro clichê ligado a seu gênero. Ao invés disso, elas aparecem limpando suas próprias armas, e se isso já trata de estabelecer suas personalidades fortes, as coisas melhoram quando elas mostram serem capazes de se defenderem sozinhas, sem precisarem que os homens ao seu redor venham acudi-las, detalhe que indica uma visão contemporânea agradável de ver em um projeto como esse. Ainda nessa linha, o roteiro não perde a chance de apontar como é ridícula a mania da mãe das irmãs (interpretada por Sally Phillips) de tratar diferente cada uma das filhas ou por querer que elas casem de qualquer forma.

Mas mesmo que o filme mostre estar no caminho certo ao apresentar esses aspectos, isso não chega a compensar o fato de ele ser irregular quando parte para ação. Aqui, Burr Steers investe em uma montagem frenética e rápidos movimentos de câmera para tentar dar energia a narrativa e torna-la ágil, mas isso apenas faz com que as sequências se revelem pouco interessantes, beirando o incompreensível. Além disso, o desenvolvimento da trama não deixa de ser óbvio, algo que se deve até por o filme não se arriscar tanto na forma como segue a história original de Jane Austen. Para completar, o lado expositivo do roteiro chega a doer em determinados momentos, como na abertura narrada pelo Sr. Bennett (Charles Dance) ou em diálogos como “Os mortos vivos brotam mais facilmente na chuva”.

Com um elenco eficiente em sua maioria (o principal destaque fica com Lily James, que faz de Elizabeth uma heroína interessante e carismática), Orgulho e Preconceito e Zumbis talvez pudesse aproveitar um pouco melhor a ideia que lança na tela. É um filme que tenta divertir com sua curiosa mistura, e no fim das contas alcança resultados moderados nesse sentido.

Obs.: Há uma cena durante os créditos finais.

Nota:


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack

Apresentando dois protagonistas que vivem de forma limitada, isolados do mundo em um espaço fechado, O Quarto de Jack é capaz de deixar o espectador curioso logo de cara com relação a como sua história se desenvolverá. Inicialmente, fica uma breve impressão de que este será um conto sobre paranoia, com uma mãe buscando simplesmente proteger seu filho de um mundo problemático. Mas isso cai por terra rapidamente quando o longa se aprofunda em suas camadas, resultando em uma trama bem mais complexa e triste, que se intensifica por ser contada pelo ponto de vista inocente de uma criança.

Dirigido por Lenny Abrahamson (o mesmo do ótimo Frank) e roteirizado por Emma Donoghue a partir de seu próprio livro, O Quarto de Jack tem início quando Jack (Jacob Tremblay) completa cinco anos, todos vividos no Quarto, lugar que compartilha com sua mãe, a jovem Joy (Brie Larson). Ali, ela montou um universo para o garoto, que vive feliz e tranquilo apesar dos poucos recursos, sendo que estes são conseguidos pelo Velho Nick (Sean Bridgers), sujeito que visita a dupla regularmente. No entanto, Joy fez isso para mascarar o real significado de estar naquele lugar, que se revela uma situação terrível e que mãe e filho passam a tentar superar.

É um filme cujo peso tanto emocional quanto psicológico é muito grande, algo surpreendente considerando que os olhos ingênuos de Jack são nossa porta de entrada para o que acontece ao longo da história, uma abordagem que vem a ser fundamental para explorar a força da narrativa. Afinal, é exatamente por o pequeno não ter noção da gravidade do que acontece ao seu redor que o desenvolvimento da trama se torna tão instigante e até angustiante. Nesse sentido, o fato do roteiro concentrar boa parte de seu tempo nos efeitos do trauma dos personagens é interessante por conta das reações diferentes deles. Se Joy considera o Quarto um lugar opressivo e deprimente enquanto a liberdade é sua salvação, Jack inicialmente vê essas coisas de maneira oposta, o que é natural tendo em vista o que ele achava conhecer.

Esses detalhes, por sinal, são muito bem ilustrados na tela por Lenny Abrahamson, que ainda exibe grande sensibilidade ao retratar a vulnerabilidade dos personagens e de como eles encontram forças um no outro, principalmente no que diz respeito à Joy, já que Jack é não só seu filho, mas também a razão para que o Quarto se torne minimamente suportável para ela. Além disso, o design de produção é admirável ao conceber aquele pequeno espaço como um lugar cuja precariedade reflete seu terrível propósito, algo amenizado apenas por brinquedos espalhados pelo chão e pelos desenhos de Jack que ficam pendurados nas paredes enferrujadas, indicando a leveza trazida pelo garoto. Já a fotografia de Danny Cohen dá um tom melancólico à narrativa ao apostar mais em cores frias, merecendo créditos também por contribuir com o ar claustrofóbico que Abrahamson traz para a realidade dos personagens, criando no processo um contraste natural entre as limitações do Quarto e a grandeza do mundo externo.

Mas o coração de O Quarto de Jack está mesmo nas atuações de Brie Larson e Jacob Tremblay. Atriz que passei a admirar depois de sua maravilhosa atuação no belíssimo Temporário 12, Larson usa seu talento para fazer de Joy uma mãe que busca ignorar seu próprio estado psicológico e existencial para dar o melhor de si ao filho, numa prova clara do amor incondicional que sente por ele. Não à toa alguns dos principais momentos do filme são quando ela acha que poderia ter feito mais pelo garoto, como na discussão envolvendo as velas de um bolo. Tremblay, por sua vez, surpreende ao interpretar Jack como uma criança cheia de vida e que se acostumou tanto às limitações que lhe foram impostas que, ao ter que assimilar uma realidade maior, mostra um medo mais do que compreensivo (em um mundo justo, o expressivo ator estaria indicado ao Oscar e até mesmo com chances de ganhar). Já no elenco de coadjuvantes, Sean Bridgers vive Velho Nick no tom certo de ameaça, enquanto Joan Allen, William H. Macy e Tom McCamus se destacam em papeis menores.

O Quarto de Jack talvez pudesse seguir caminhos mais fáceis para o desenvolvimento da história. Mas ao evita-los ao máximo e se manter honesto aos personagens, o filme causa um impacto impressionante, sendo capaz de deixar qualquer espectador com o coração apertado diante do amor que nasceu em meio a uma situação tão infeliz e desesperadora.

Nota:

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Deadpool

Deadpool não é um filme de super-herói como os que estamos acostumados a ver. Trazendo de volta o personagem dos quadrinhos da Marvel, depois de sua breve participação no esquecível X-Men Origens: Wolverine, o longa não tenta adotar um tom sério e realista, nem busca se conter em termos de linguagem e violência. É um filme que manda muita coisa para o espaço a fim de tentar fazer jus ao seu protagonista insano, psicótico, depravado e surpreendentemente hilário, num projeto que talvez pudesse dar muito errado. Mas os realizadores mostram compreender o material que têm em mãos, conseguindo resultados mais do que satisfatórios com o que colocam na tela.

Escrito pela dupla Rhett Reese e Paul Wernick (os mesmos roteiristas do divertido Zumbilândia e do desastroso G.I. Joe: Retaliação), Deadpool ignora (ao menos em termos de história) o fato de o personagem já ter aparecido no cinema antes. Dessa vez, Wade Wilson (novamente interpretado por Ryan Reynolds) surge como um ex-militar que, após descobrir que tem câncer terminal, se afasta da namorada, Vanessa (Morena Baccarin), e aceita participar dos experimentos de Ajax (Ed Skrein), que promete curá-lo. No entanto, Wade ganha superpoderes e um rosto desfigurado como consequências disso, tornando-se o mercenário mascarado Deadpool e partindo em uma jornada de vingança contra Ajax e seus associados.

À primeira vista, é uma história de origem como qualquer outra, não trazendo nada de particularmente novo, mas o grande diferencial aqui é o modo como ela é contada. Deadpool é um personagem que não está no mesmo ritmo de seus colegas de cena, tendo plena noção de fazer parte de uma obra cinematográfica e de um vasto subgênero. Sendo assim, ao mesmo tempo em que desenvolve um filme de super-herói (ou melhor, super-anti-herói), o roteiro usa sabiamente a perspectiva do protagonista para explorar seu lado metalinguístico e brincar não só com sua própria narrativa, mas também com outras produções do tipo e suas fórmulas, seguindo um pouco a linha que Pânico desenvolveu com os slasher movies. Dessa forma, Deadpool consegue surpreender e divertir do início ao fim com boas sacadas (como as descrições nos créditos iniciais) e piadas bastante inspiradas (a menção ao Professor Xavier é uma das melhores), fazendo isso sem subestimar a inteligência do público.

Boa parte da eficiência da comicidade do filme, porém, se deve a performance de Ryan Reynolds, que pode já ter aparecido em outras adaptações de quadrinhos (além de X-Men Origens: Wolverine, ele fez Blade Trinity, Lanterna Verde e R.I.P.D.), mas nunca esteve tão confortável interpretando um personagem desse tipo quanto aqui. Mostrando o carisma que já havia provado ter em outras produções, o ator encarna o jeito irreverente e altamente falante de Wade Wilson com segurança absoluta, conseguindo levar o espectador a simpatizar imediatamente com o personagem, quesito no qual as conversas que ele tem diretamente com o público, quebrando a quarta parede, não deixam de ser peças fundamentais. Para completar, por Deadpool desde o início afirmar não ser um super-herói, o filme não perde a chance de divertir com o contraste entre os modos violentos de agir dele e o idealismo dos X-Men, representados aqui por Colossus (voz de Stefan Kapicic) e a jovem rebelde Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand).

Enquanto isso, o diretor Tim Miller conduz com energia as cenas de ação, merecendo destaque àquela que ocorre em uma rodovia (que, aliás, recria a cena-teste cuja boa recepção levou à realização do longa) e o embate no terceiro ato, momento que explora muito bem as habilidades de seus personagens. Miller ainda exibe um timing cômico preciso e necessário para a narrativa, além de impor um ritmo ágil e envolvente. São detalhes que só contribuem para que o filme mantenha um bom nível de entretenimento durante toda a história.

Deadpool chega em uma época muito propícia, considerando que os filmes de super-herói já se estabeleceram há algum tempo como um nicho popular e bem sucedido (ao menos na maior parte dos casos). O subgênero talvez estivesse precisando de um longa como esse, que, assim como o protagonista, aciona o botão do “foda-se” e não teme se arriscar por um caminho diferente para cumprir seu objetivo de divertir o público.

Obs.: Há uma cena após os créditos finais.

Nota:

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Brooklyn

Adaptação do livro de Colm Tóibín, Brooklyn é um filme que se constrói em cima não só da evolução de sua protagonista, mas também de um sentimento que ela carrega constantemente: as saudades de casa. Contando a história da jovem Eilis Lacey (Saoirse Ronan), que no início da década de 1950 sai da Irlanda em direção aos Estados Unidos (mais especificamente o bairro nova-iorquino do título), o longa do diretor John Crowley mostra os esforços de uma pessoa para se estabelecer em um lugar desconhecido estando longe das pessoas que ama. É algo que se desenvolve a fim de, eventualmente, criar um dilema sensível, aspecto que no papel talvez pareça simples, mas cuja execução revela um peso emocional admirável e natural.

No entanto, vale dizer que esse detalhe leva algum tempo para aparecer. Dedicando toda sua primeira metade para apresentar Eilis e como ela, aos poucos, constrói sua vida, o roteiro escrito por Nick Hornby inicialmente não se preocupa tanto em incluir conflitos e obstáculos na trama, de forma que é inevitável pensar que tudo ocorre com facilidade para a protagonista, o que passa uma breve impressão de que o filme não irá a lugar algum. Mas esse lado um tanto esquemático do roteiro não deixa de ser interessante, já que explora a bondade existente nas pessoas, com Eilis dando sorte de encontrar uma série de figuras que compreendem sua situação e estão dispostas a ajuda-la, desde a pensionista Madge Keogh (Julie Walters) até o padre Flood (Jim Broadbent). Com isso, John Crowley se vê montando uma narrativa que acaba envolvendo o público com seu grande coração, e o fato de tudo parecer perfeito em meio à história faz com que momentos mais dramáticos funcionem melhor quando aparecem.

Contribui muito para isso também, claro, a belíssima atuação de Saoirse Ronan, que usa seu talento para fazer de Eilis uma personagem com a qual é difícil não se importar ao longo da história. Exibindo sempre um grande carisma, a atriz passa com talento a insegurança, o medo e a tristeza de Eilis ao chegar nos Estados Unidos, brilhando ao mostrar maravilhosamente como ela vai gradualmente ganhando confiança e se tornando uma mulher mais forte, algo que pode ser visto tanto no trabalho que exerce em uma loja de departamento quanto em seu desejo de se tornar escriturária como sua irmã, Rose (Fiona Glascott), sem falar em sua própria postura em cena. E é bacana ver que se trata de uma personagem que não abre mão de seus objetivos pessoais, mesmo depois de iniciar um romance com Tony Fiorello (Emory Cohen) naquele que é um dos principais elementos da trama.

É exatamente por estabelecer todos esses detalhes que a narrativa ganha grande peso durante a segunda metade da projeção. Ao inserir aqui o principal conflito da história, apresentando dois caminhos igualmente promissores para o futuro da protagonista, Brooklyn ganha uma complexidade emocional inesperada e muito humana. É principalmente nisso que a evolução pessoal de Eilis e o carinho que ela sente pelas pessoas ao seu redor alcançam o ápice do valor que possuem na narrativa, sendo que John Crowley mostra sensibilidade na forma como conduz essa parte da trama, conseguindo evitar um possível melodrama.

Aliás, Crowley em momento algum faz parecer que o crescimento de Eilis é repentino de uma cena para outra, deixando claro que isso é resultado natural da experiência que ela vai adquirindo. Nesse sentido, o diretor ainda é inteligente ao colocar a personagem à esquerda do quadro (conhecido como o lado mais fraco da tela) quando ela ouve conselhos de uma mulher que conhece durante a viagem aos Estados Unidos, trazendo-a posteriormente à direita (o lado mais forte) quando ela própria surge dando conselhos a uma jovem imigrante, em uma rima narrativa que pontua perfeitamente o arco dramático que acompanhamos. Além disso, o filme é tecnicamente eficiente, desde a bela recriação de época concebida pelo design de produção até a fotografia de Yves Bélanger, que modula bem entre a felicidade e o conforto de alguns momentos, pincelando-os com cores mais quentes, e a tristeza de outros, ressaltada por tons mais frios.

Brooklyn é, principalmente, uma história sobre o que nos faz pertencer a um lugar específico, àquele que chamamos de “lar”. Ao focar a jornada pessoal da protagonista de maneira tocante, o filme revela uma beleza que o ajuda a ser uma surpresa agradável entre as produções do ano passado.

Nota:

O Filho de Saul

Logo na abertura de O Filho de Saul, o diretor estreante László Nemes inclui o significado da palavra “sonderkommando”. Esse era o termo utilizado para definir os judeus que “ajudavam” os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, limpando as câmaras de gás após estas serem utilizadas em seu propósito desumano. E se usei as aspas para falar deste auxílio, isso se deve porque se tratava de um serviço que, caso não realizado, poderia coloca aquelas pessoas entre os cadáveres retirados dos campos de concentração.

É nesse nicho que a história do filme se passa, sendo que esta não demora para exibir um peso descomunal. O roteiro escrito por Nemes em parceria com Clara Royer apresenta Saul Ausländer (Géza Röhrig), um sonderkommando que, após uma das sessões nas câmaras de gás, encontra seu próprio filho entre os mortos. Como pai, Saul decide não despachar o corpo do garoto normalmente, passando a fazer de tudo para enterrá-lo de maneira honrosa, algo que, obviamente, precisa ser feito sem o conhecimento de seus superiores nazistas.

O que chama a atenção ao longo de O Filho de Saul é a abordagem visual utilizada por László Nemes. Mantendo a câmera quase sempre próxima do protagonista, acompanhando-o na maior parte do tempo através de enquadramentos mais fechados e desfocando o que há ao redor dele, o cineasta exibe talento para nos inserir na realidade de Saul, mas nos deixando um pouco afastados daquilo que ele presencia. Este último aspecto talvez seja um indicativo de que não importa a forma como as imagens nos são mostradas, ainda seria impossível saber o que o personagem ou qualquer outro sonderkommando sente diante de toda a dor e a tragédia daqueles tempos, numa sacada apropriada por parte do diretor.

Mas não é só isso. Por apostarem em planos mais fechados e em uma razão de aspecto bastante reduzida (1.37:1, para ser mais exato), Nemes e o diretor de fotografia Mátyas Erdély naturalmente criam uma atmosfera claustrofóbica para a narrativa, o que contribui para a tensão constante que rege a trama. Tensão esta que, inclusive, ganha um pouco mais de peso devido ao tom realista imposto pelo diretor e que é ressaltado, principalmente, pelo gosto que ele tem por planos longos, investindo neles várias vezes durante a narrativa. Nesse sentido, é necessário destacar a sequência em que Saul procura um rabino em meio a uma multidão que está sendo massacrada por nazistas, um dos momentos do filme onde a inquietação é quase desesperadora.

Tudo funciona a favor de uma história que, basicamente, mostra até onde uma pessoa está disposta a se arriscar por conta do filho. Aliás, no caso de Saul, o fato de seu filho estar morto talvez sirva como uma espécie de impulso, já que uma grande razão para ele continuar sua vida já não existe mais. Trata-se de um tipo de dor que não deve ir embora facilmente, e o intérprete do protagonista, Géza Röhrig, opta por deixar isso aflorar mais em sua determinação para desviar dos obstáculos que estão entre Saul e o enterro do rapaz, ao passo que no resto do tempo ele contém suas emoções, evitando chamar atenção para si mesmo.

Trazendo ainda um trabalho admirável de recriação de época, com o design de produção e os figurinos sendo bastante detalhistas ao retratar a precariedade dos campos de concentração e a sujeira das câmaras de gás (que parece se recusar a sair, como se as coisas que ocorrem naqueles lugares os mantivessem eternamente marcados), O Filho de Saul só se prejudica um pouco por pontuais problemas de ritmo, que ocorrem até por ele deixar bem separados cada momento da trama. Mas isso é algo relativamente pequeno, não sendo o suficiente para desmontar a força da história e da narrativa muito bem trabalhada por seu diretor.

Nota:

Lendas do Crime

Tom Hardy é um ator que não cansa de impressionar. Dedicando a maior parte de seu tempo a projetos e personagens que tentam de alguma forma fugir do lugar-comum, o ator parece gostar de pôr seu talento à prova. Dessa vez, em Lendas do Crime, ele teve pela frente um desafio que deve ser particularmente interessante para qualquer ator, ao ter a chance de encarnar gêmeos idênticos. No caso, os irmãos Ronald e Reginald Kray, que ficaram famosos na Londres da década de 1960 como dois dos maiores gângsteres da região.
Baseado no livro de John Pearson, o filme escrito e dirigido por Brian Helgeland, Lendas do Crime acompanha a escalada dos Kray no submundo do crime, eliminando rivais de seu caminho e montando grandes negócios com a máfia americana. Mas nada disso veio sem deixar rastros de sujeira e violência, sendo que a polícia, liderada pelo detetive Leonard Read (Christopher Eccleston), aparece constantemente no encalço deles. Ao mesmo tempo, acompanhamos o romance de Reginald com Frances Shea (Emily Browning), que por ser a narradora do filme assume também o papel de porta de entrada do público para o mundo dos irmãos.
As atuações de Tom Hardy em seu papel duplo, na verdade, é o que Lendas do Crime tem de melhor. Ronald e Reginald Kray são idênticos no visual, mas no resto tratam-se de figuras com personalidades e modos completamente diferentes, e o ator estabelece esses detalhes maravilhosamente em suas composições. No papel de Ronald, ele surge como um sujeito mais instável, bruto e amedrontador, tendo um jeito por vezes animalesco que combina com a irracionalidade do personagem (Hardy dá um toque curioso nesse sentido ao falar com o lábio inferior meio caído, deixando os dentes à mostra). É o oposto do que se vê em Reginald, que assim se firma rapidamente como a cabeça pensante da dupla, exibindo inteligência e calma para lidar com os negócios, além de ser uma figura um pouco mais humana, aspecto explorado em sua relação com Frances.
Mas vale dizer que o astro imprime em ambos os papeis uma camada ameaçadora que se faz presente constantemente, detalhe que contribui para que os Kray tenham uma presença sempre muito forte. Além disso, as trucagens de Brian Helgeland para colocar dois Tom Hardy em cena, o que inclui raramente mostra-los no mesmo plano (e quando isso ocorre, sempre há uma certa distância entre eles), ajuda a formar a relação um tanto fria que os irmãos têm um com o outro. Sendo assim, é interessante notar que eles são parceiros de negócios mais por conta de sua ligação sanguínea, já que afetiva e estrategicamente são figuras incompatíveis.
Enquanto isso, Helgeland constrói uma narrativa que sofre com irregularidades. Durante boa parte do tempo, o diretor impõe um tom surpreendentemente leve, o que, se por um lado é capaz de divertir (por exemplo, o modo como uma briga de bar tem início), por outro faz certas passagens mais dramáticas soarem deslocadas e forçadas, tirando muito do peso que o longa poderia ter. Já o roteiro não deixa de ser um pouco corriqueiro no desenvolvimento da história, algo que reflete até na narração simplista e expositiva de Frances. Aliás, considerando a importância da personagem no filme e a boa atuação de Emily Browning, é triste que a principal cena dela acabe não tendo tanto impacto.
Ainda que esses pontos o enfraqueçam, Lendas do Crime funciona satisfatoriamente como um filme de gângsteres, além de contar com pontos admiráveis tecnicamente. O design de produção e os figurinos recriam a Londres da década de 1960 com eficiência, enquanto a fotografia de Dick Pope faz um bom trabalho ao contribuir tanto para o luxo quanto para o lado sombrio da realidade de crimes vista ali. Para completar, Brian Helgeland consegue criar ótimos momentos pontualmente, merecendo destaque o belo plano-sequência no clube de Reginald, que é hábil em mostrar todas as facetas do personagem. Mas, no fim, este é um longa que provavelmente será lembrado mais como uma prova do talento inegável de seu protagonista do que por qualquer outra coisa.
Nota:

Rocky IV

Interpretado por Sylvester Stallone, o boxeador Rocky Balboa se estabeleceu como um personagem icônico e inspirador. É um exemplo clássico do underdog que supera quaisquer adversidades e no fim das contas consegue sair vitorioso de alguma forma. Esse é um dos principais motivos porque até hoje é interessante acompanhar sua trajetória cinematográfica, desde Rocky: Um Lutador, vencedor do Oscar de Melhor Filme, até o recente Creed. Mas se existe um ponto baixo em tudo isso, este é Rocky IV, filme de maior bilheteria da série, mas que tropeça feio no fato do astro querer transformá-lo em um comentário político, buscando resumir infantilmente a Guerra Fria a uma luta de boxe.
Assumindo a função tripla de ator, diretor e roteirista (como ocorreu na maioria dos filmes da franquia), Stallone dessa vez coloca os soviéticos chegando aos Estados Unidos para mostrar como se tornaram uma força esportiva superior. Como prova, trazem o boxeador Ivan Drago (Dolph Lundgren) para entrar na liga profissional de boxe e lutar contra Rocky, o grande campeão americano. Antes, porém, Apollo Creed (Carl Weathers) decide testar o poder dos visitantes, organizando uma luta amistosa na qual apanha fatalmente de Drago. Determinado em seu desejo de vingar o amigo, uma ideia da qual nem mesmo sua amada Adrian (Talia Shire) consegue fazê-lo desistir, Rocky parte para a União Soviética a fim de encarar seu maior desafio.
A abertura de Rocky IV, onde vemos duas luvas com as bandeiras de Estados Unidos e União Soviética explodindo ao se chocarem, já sintetiza bem o filme e os objetivos de Sylvester Stallone ao longo da narrativa. O problema é que o diretor mostra uma visão puramente unidimensional e maniqueísta, como se vê, por exemplo, nas sequências de treinamento, quando Rocky aparece se preparando naturalmente e se esforçando de maneira mais digna enquanto Ivan Drago treina com a ajuda de máquinas e anabolizantes. Stallone basicamente põe na tela exatamente o que a esposa de Drago, Ludmilla (Bridgette Nielsen), questiona em determinado momento: os americanos são os bons enquanto os soviéticos são os maus. Aliás, mais do que maus, desumanos. Não à toa, Drago é desenvolvido pelo roteiro praticamente como um robô pronto para matar, e a inexpressividade de Dolph Lundgren somada ao tom monocórdico com o qual ele profere suas pouquíssimas falas só aponta isso ainda mais.
Na verdade, a preocupação de Stallone em deixar clara a visão política do filme (ou melhor, dele próprio) parece ser maior do que sua vontade de desenvolver a história. Para isso, recorre várias vezes a montagens musicais preguiçosas e que dão um peso dramático artificial a narrativa. E falando na parte musical, há de se ressaltar que a trilha de Vince DiCola nem se compara aos temas de Bill Conti (que na época estava ocupado com Karate Kid), algo que vale também para as canções, que parecem tentar emular sucessos como “Gonna Fly Now” e “Eye of the Tiger”, mas sem o mesmo efeito. Para completar, Stallone até perde a noção do ridículo, como na apresentação extravagante de Apollo antes de sua luta com Drago, sequência que busca refletir a personalidade do amigo do protagonista, mas faz isso de um jeito constrangedoramente exagerado.
Se podemos dizer que Rocky IV funciona em alguns momentos, isso acontece quando resolve se concentrar no lado humano de seus personagens, como nas discussões entre Rocky e Apollo ou em uma declaração de Paulie (vivido com sua costumeira rabugice por Burt Young) pouco antes da luta final, sendo que a tensão no ringue ainda ganha alguma intensidade graças a seu teor pessoal. Uma pena que tudo acabe perdendo espaço para ideias pobres, que fazem o filme desviar do espírito da franquia e encerrar num discurso moralista bobo devido ao contexto narrativo no qual é inserido. Por sorte, é preciso mais do que um longa como esse para manchar o legado do grande Rocky Balboa.
Nota:

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O Regresso

A história de sobrevivência do caçador Hugh Glass não é exatamente uma novidade nos cinemas, tendo servido como inspiração para a trama de Fúria Selvagem, faroeste lançado em 1971 e estrelado por Richard Harris e John Huston. Mas mais de 40 anos depois, o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu parte dessa mesma história para conceber O Regresso, seu novo filme e que chega logo depois do sucesso do excepcional Birdman, revelando-se mais um esforço admirável por parte do cineasta.

Baseado no livro de Michael Punke, o roteiro escrito pelo próprio Iñarritu em parceria com Mark L. Smith tem início em meio à expedição liderada pelo Capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson), cujo grupo de caçadores recolhe as peles dos animais nas florestas da Louisiana. Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) é um de seus principais homens, tendo a companhia do filho Hawk (Forrest Goodluck), que por ter sangue nativo desperta a desconfiança de John Fitzgerald (Tom Hardy). Quando todos dão início a uma forçada volta para casa após um ataque dos índios Arikara, que arrasam a maioria do grupo, Glass é severamente ferido em um embate com um urso e, por representar um peso quase morto, é deixado para trás pelo jovem Bridger (Will Poulter) e por Fitzgerald, tendo que retornar sofridamente sozinho.

Iñárritu não demora a demonstrar um apreço especial pelos cenários onde situa toda a história, e o excepcional diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (na segunda colaboração seguida entre eles) acaba sendo o auxílio ideal para capturar a beleza natural dos lugares. Ao longo de O Regresso, somos colocados diante de planos gerais de montanhas gélidas, cachoeiras, florestas e até do céu estrelado, além de planos-detalhe de orvalhos e formigas subindo umas nas outras. Ainda que isso sature um pouco a partir de certo ponto, Iñarritu é hábil para usar esses momentos para criar um contraste curioso, mostrando que por mais bela e calma que a natureza possa ser, nada a impede de representar um verdadeiro perigo aos personagens, principalmente no que diz respeito ao protagonista e sua condição de imensa vulnerabilidade.

Tais aspectos contribuem para que o diretor crie uma narrativa que, apesar do ritmo por vezes mais cadenciado, resguarda uma inquietude constante, detalhe que chega ao ápice durante as ótimas sequências de batalhas. Aqui, Iñárritu retoma um pouco a técnica de Birdman ao fazer planos longos elegantes e que provam seu talento para manter clara a organização espacial das cenas, sendo que dessa maneira ele consegue não só dar um maior realismo ao que está acontecendo, mas também inserir o espectador eficientemente na tensão. Mas o maior destaque nesse sentido é a agonizante cena entre Hugh Glass e o urso, que é realizada convincentemente mesmo utilizando um animal digital (não foi surpresa constatar que um dos responsáveis pelos efeitos visuais do filme trabalhou em As Aventuras de Pi). Aliás, a cena serve até para sintetizar o longa considerando as motivações por trás dela e uma luta vista no clímax, com ambas formando uma rima entre si, e é perfeito que Glass apareça vestindo uma pele de urso durante boa parte do tempo.

Enquanto isso, Leonardo DiCaprio se vê na pele de um personagem que não recorre tanto a diálogos para se expressar. Seu Hugh Glass passa a maior parte do tempo encarando e se recuperando de dores tanto físicas (sua respiração chega a ser angustiante em determinados momentos) quanto emocionais, exibindo grande persistência em se manter vivo, não importando o quão desgastado esteja, aspectos que o ator encarna com talento inegável (sua provável premiação este ano servirá para finalmente coroar o brilhantismo e a consistência marcantes em sua carreira). Já o excelente Tom Hardy faz de John Fitzgerald um vilão forte, cuja maior arma é a própria covardia, interpretando-o com a mesma intensidade que tem mostrado em boa parte de seus papeis. E se o jovem Will Poulter mostra uma expressividade surpreendente como Bridger, Domhnall Gleeson se destacada pela firmeza que traz ao justo Capitão Henry, aproveitando bem suas cenas ainda que aparecendo mais esporadicamente.

Seja ao focar nos conflitos entre homem e natureza ou entre o primeiro e seus semelhantes, Alejandro González Iñárritu consegue fazer a grande história de O Regresso impressionar muito além da beleza que a permeia. Um filme que representa uma jornada tecnicamente irrepreensível e narrativamente visceral.

Nota: