quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O Filho de Saul

Logo na abertura de O Filho de Saul, o diretor estreante László Nemes inclui o significado da palavra “sonderkommando”. Esse era o termo utilizado para definir os judeus que “ajudavam” os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, limpando as câmaras de gás após estas serem utilizadas em seu propósito desumano. E se usei as aspas para falar deste auxílio, isso se deve porque se tratava de um serviço que, caso não realizado, poderia coloca aquelas pessoas entre os cadáveres retirados dos campos de concentração.

É nesse nicho que a história do filme se passa, sendo que esta não demora para exibir um peso descomunal. O roteiro escrito por Nemes em parceria com Clara Royer apresenta Saul Ausländer (Géza Röhrig), um sonderkommando que, após uma das sessões nas câmaras de gás, encontra seu próprio filho entre os mortos. Como pai, Saul decide não despachar o corpo do garoto normalmente, passando a fazer de tudo para enterrá-lo de maneira honrosa, algo que, obviamente, precisa ser feito sem o conhecimento de seus superiores nazistas.

O que chama a atenção ao longo de O Filho de Saul é a abordagem visual utilizada por László Nemes. Mantendo a câmera quase sempre próxima do protagonista, acompanhando-o na maior parte do tempo através de enquadramentos mais fechados e desfocando o que há ao redor dele, o cineasta exibe talento para nos inserir na realidade de Saul, mas nos deixando um pouco afastados daquilo que ele presencia. Este último aspecto talvez seja um indicativo de que não importa a forma como as imagens nos são mostradas, ainda seria impossível saber o que o personagem ou qualquer outro sonderkommando sente diante de toda a dor e a tragédia daqueles tempos, numa sacada apropriada por parte do diretor.

Mas não é só isso. Por apostarem em planos mais fechados e em uma razão de aspecto bastante reduzida (1.37:1, para ser mais exato), Nemes e o diretor de fotografia Mátyas Erdély naturalmente criam uma atmosfera claustrofóbica para a narrativa, o que contribui para a tensão constante que rege a trama. Tensão esta que, inclusive, ganha um pouco mais de peso devido ao tom realista imposto pelo diretor e que é ressaltado, principalmente, pelo gosto que ele tem por planos longos, investindo neles várias vezes durante a narrativa. Nesse sentido, é necessário destacar a sequência em que Saul procura um rabino em meio a uma multidão que está sendo massacrada por nazistas, um dos momentos do filme onde a inquietação é quase desesperadora.

Tudo funciona a favor de uma história que, basicamente, mostra até onde uma pessoa está disposta a se arriscar por conta do filho. Aliás, no caso de Saul, o fato de seu filho estar morto talvez sirva como uma espécie de impulso, já que uma grande razão para ele continuar sua vida já não existe mais. Trata-se de um tipo de dor que não deve ir embora facilmente, e o intérprete do protagonista, Géza Röhrig, opta por deixar isso aflorar mais em sua determinação para desviar dos obstáculos que estão entre Saul e o enterro do rapaz, ao passo que no resto do tempo ele contém suas emoções, evitando chamar atenção para si mesmo.

Trazendo ainda um trabalho admirável de recriação de época, com o design de produção e os figurinos sendo bastante detalhistas ao retratar a precariedade dos campos de concentração e a sujeira das câmaras de gás (que parece se recusar a sair, como se as coisas que ocorrem naqueles lugares os mantivessem eternamente marcados), O Filho de Saul só se prejudica um pouco por pontuais problemas de ritmo, que ocorrem até por ele deixar bem separados cada momento da trama. Mas isso é algo relativamente pequeno, não sendo o suficiente para desmontar a força da história e da narrativa muito bem trabalhada por seu diretor.

Nota:

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