sexta-feira, 29 de abril de 2016

Capitão América: Guerra Civil

Não deixa de ser curioso que a Marvel esteja usando os filmes do Capitão América para desenvolver tramas com um viés político um pouco mais forte. É como se o lado patriótico dele, carregado tanto no nome quanto no uniforme, abrisse portas para que as histórias sigam por esse caminho. Capitão América: Guerra Civil não se desvia disso ao colocar um ponto de interrogação em cima do próprio altruísmo do personagem e dos outros Vingadores, desenvolvendo uma narrativa interessante a partir do choque ideológico e político com relação a como abordar a natureza heroica deles.

Escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely (os mesmos roteiristas dos dois filmes anteriores do personagem) a partir da saga concebida por Mark Millar nos quadrinhos, Guerra Civil traz os Vingadores precisando lidar com as consequências das batalhas em que se metem ao redor do mundo, que obviamente causam fatalidades em meio às destruições. Por causa disso, os heróis recebem a visita do General Ross (William Hurt, reprisando seu papel de O Incrível Hulk), que os informa sobre um tratado que dá ao governo o direito de supervisionar suas ações. Mas se alguns não gostam da ideia, sendo liderados por Steve Rogers (Chris Evans), outros a aprovam, encabeçados por Tony Stark (Robert Downey Jr.), numa divisão que leva a embates que chegam a níveis pessoais e que se agravam graças ao envolvimento do velho amigo do Capitão, Bucky Barnes (Sebastian Stan), o Soldado Invernal.

É difícil ver a premissa e não lembrar um pouco do recente (e decepcionante) Batman vs. Superman. Mas se aquele filme acabava se bagunçando com tudo o que precisava desenvolver, Guerra Civil tem a vantagem de fazer parte de um universo já muito bem estabelecido, conseguindo ser mais objetivo na forma como usa as peças que tem em mãos. Assim, mesmo tendo vários personagens e algumas subtramas, o filme nunca perde o foco da história ou soa inchado, com os irmãos Joe e Anthony Russo (de volta como diretores após o sucesso do ótimo Capitão América 2) mantendo um ritmo envolvente durante toda a narrativa.

Aliás, os diretores mais uma vez mostram talento para criar um clima de tensão política instigante entre os personagens, tendo para isso a ajuda de um roteiro que desenvolve muito bem as discussões entre eles, nos fazendo compreender as motivações de ambos os lados do conflito. Nesse sentido, sempre que os heróis se reúnem e debatem suas posições, chegando a pensar na possibilidade de serem parte dos problemas que enfrentam ao invés da solução, o filme rende alguns de seus melhores momentos. É difícil até tomar partido, o que é ótimo considerando que todos ali são heróis que, essencialmente, lutam pelas mesmas coisas e, em maior ou menor grau, são figuras com as quais simpatizamos, de maneira que poderia ser estranho torcer contra algum deles.

Isso inclusive ajuda a trazer peso para as cenas de ação, aspecto no qual os irmãos Russo voltam a exibir talento, criando sequências bem orquestradas e dinâmicas, desde a missão que abre o filme até a perseguição numa rodovia. Mas o maior destaque acaba sendo mesmo a batalha que ocorre em um aeroporto e que utiliza maravilhosamente os poderes de todos os envolvidos, sabendo impressionar e até mesmo divertir. Por sinal, já que falei em diversão, é bacana ver que o filme ainda consegue ter seus eficientes momentos de humor, que aliviam um pouco a seriedade que rege a história durante grande parte do tempo.

Enquanto isso, o elenco todo tem a chance de se destacar. Chris Evans volta a encarnar Steve Rogers com segurança, exibindo também uma entrega admirável a parte física do personagem, como se vê na cena em que ele se esforça para deter um helicóptero, e tendo um senso de camaradagem natural tanto com o bem humorado Sam Wilson de Anthony Mackie quanto com o pesaroso Bucky Barnes de Sebastian Stan. Já Robert Downey Jr. não interpreta Tony Stark no piloto automático como ocorreu em outras ocasiões, surpreendendo ao dar mais camadas ao personagem, algo que contribui para sua humanidade. E se figuras como a Natasha Romanoff de Scarlett Johansson, a Wanda Maximoff de Elizabeth Olsen e o Visão de Paul Bettany cumprem bem suas funções na trama, outras como o T’Challa de Chadwick Boseman e o Peter Parker de Tom Holland representam belas adições a esse universo, com os personagens sendo apresentados com propriedade e ambos os atores provando ser ótimas escolhas para os papeis. Fechando o elenco, Daniel Brühl surge como um vilão trágico em suas motivações, se encaixando perfeitamente em uma história que, à primeira vista, poderia não precisar dele.

Representando o pontapé inicial para a chamada Fase 3 dos filmes da Marvel, Capitão América: Guerra Civil consegue ser uma obra cuja grande escala entretém sem sacrificar o peso emocional de sua história e de seus personagens. Um longa que se coloca desde já entre as produções mais sólidas e maduras feitas pelo estúdio.

Obs.: Há uma cena durante e outra depois dos créditos finais.

Nota:


quarta-feira, 20 de abril de 2016

O Caçador e a Rainha do Gelo

“Esta é outra história. Uma que você ainda não viu”, diz o narrador deste O Caçador e a Rainha do Gelo logo no início da projeção. Se estabelecendo como prequel e continuação do fraco Branca de Neve e o Caçador, é natural que a produção sinta a necessidade de justificar sua existência, querendo se apresentar como algo relativamente novo ao desenvolver uma trama ao redor do Caçador (Branca de Neve agora é praticamente esquecida, numa possível punição à Kristen Stewart por seu envolvimento com o diretor do filme anterior). No entanto, essa ideia de nada adianta quando se tem em mãos um material tão pouco interessante e que, curiosamente, não tem nada de novo, servindo apenas para render outro longa indigesto envolvendo esse universo.

Escrito por Evan Spiliotopoulos e Craig Mazin, O Caçador e a Rainha do Gelo começa quando a Rainha Freya (Emily Blunt), irmã de Ravenna (Charlize Theron), dá início ao seu reino de gelo e sem amor, o que inclui sequestrar crianças e treiná-las para serem seus Caçadores. Entre elas estão Eric e Sara, que crescem como seus melhores guerreiros (além de ganharem os rostos de Chris Hemsworth e Jessica Chastain, respectivamente) e, claro, acabam sendo separados quando o amor que sentem um pelo outro é descoberto. Anos depois, já tendo ajudado Branca de Neve a derrotar Ravenna, Eric volta a ser colocado no caminho de Freya, que agora cobiça o poder do antigo espelho da irmã, cabendo ao Caçador e seus ajudantes, os anões Nion e Gryff (Nick Frost e Rob Brydon), encontra-lo antes dela.

Ao longo de O Caçador e a Rainha do Gelo, é possível notar que o roteiro busca se concentrar um pouco mais nas relações entre os personagens, mas estes nunca mostram ser realmente cativantes. Nem mesmo o fato de o elenco ter bons nomes compensa esse problema, por mais esforçados que eles sejam. Chris Hemsworth, por exemplo, pode ser um ator carismático, mas não consegue fazer muita coisa diante da unidimensionalidade de Eric, algo que vale também para Jessica Chastain, que tem seu imenso talento desperdiçado em uma personagem que não chega a fazer jus a seu potencial para ser uma grande heroína. Já Charlize Theron surge no piloto automático em sua participação como Ravenna, enquanto Emily Blunt faz de Freya apenas a versão maldosa de Elsa, de Frozen, não tendo muito mais do que isso para compor a vilã.

Conduzindo peças como essas, o estreante Cedric Nicolas-Troyan (membro da equipe de efeitos visuais indicada ao Oscar pelo longa anterior, no qual também foi o diretor de segunda unidade) encontra dificuldades em criar uma narrativa minimamente envolvente ou com alguma urgência. Em determinado momento, é dito que Branca de Neve está doente por conta do espelho, mas esse detalhe é deixado de lado depois de um tempo e não ganha peso algum, até porque a personagem nunca aparece em cena (a tal “punição” de certa forma foi uma grande sorte para Kristen Stewart, que ultimamente tem se destacado em filmes bem melhores que este). Para completar, o diretor também não consegue driblar a obviedade do fraquíssimo roteiro, principalmente no que diz respeito aos arcos dos personagens, além de criar cenas de ação desinteressantes e confusas (por sinal, considerando que o título original inclui uma guerra, é no mínimo estranho que não tenha nada parecido com isso por aqui).

Não funcionando direito nem como prequel, nem como continuação, O Caçador e a Rainha do Gelo revela ser uma daquelas produções puramente comerciais, forçando a continuidade de uma franquia desnecessária. E considerando o que é visto ao final da projeção, essa pode não ser a última vez que entraremos neste universo. Quem dera fosse possível ficar empolgado com isso.

Nota:

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ave, César!

Ao longo das últimas três décadas, os irmãos Joel Coen e Ethan Coen se estabeleceram como uma das forças criativas mais admiráveis do cenário cinematográfico, acumulando uma série obras memoráveis em sua filmografia e sendo vastamente reconhecidos por isso. Ave, César! mantém esse alto nível da dupla, e dessa vez é interessante ver realizadores como eles usando seu estilo para fazer um filme que retrata o próprio Cinema, mais especificamente a reta final da Era de Ouro de Hollywood durante a década de 1950.

Ave, César! acompanha um dia na rotina de Eddie Mannix (Josh Brolin). Ele trabalha no estúdio Capitol Pictures protegendo os interesses tanto de seus empregadores quanto dos atores contratados por eles, evitando que se estes metam em problemas que manchem a imagem que têm perante o público. Dessa vez, Eddie aparece tendo que cuidar do sumiço repentino de Baird Whitlock (George Clooney), astro de um grande épico bíblico do estúdio (o “Ave, César!” do título) e que é sequestrado por roteiristas comunistas. Como se não bastasse, ele também precisa ajudar a encobrir a gravidez de DeAnna Moran (Scarlett Johansson), uma das queridinhas da indústria, e lidar com a insatisfação do diretor Laurence Lorenz (Ralph Fiennes), que se vê obrigado a trabalhar com o limitado Hobie Doyle (Alden Ehrenreich), um astro do faroeste.

Organizando o roteiro ao redor desses elementos, os Coen praticamente estruturam o filme como uma série de esquetes e set pieces, desenvolvendo-os sem se esquecerem de fazer com que todos ajudem a levar para frente a história do dia-a-dia de Eddie, que é o grande conector da narrativa. Aqui, aliás, é preciso destacar o trabalho de montagem de Roderick Jaynes (pseudônimo dos diretores), que pula organicamente de uma subtrama a outra, sem quebrar o ritmo da narrativa. Em meio a isso, Ave, César! traz cenas que cumprem maravilhosamente seu objetivo de divertir, trazendo referências e brincadeiras envolvendo as peculiaridades da indústria hollywoodiana da época, sejam elas na frente ou atrás das câmeras, como o encontro de Mannix com representantes religiosos ou quando vemos Laurence Lorenz tentando fazer com que Hobie Doyle diga suas falas corretamente.

Na verdade, os Coen utilizam inteligentemente os mais variados aspectos para entreter o público, desde seus diálogos ágeis até o excelente desenho de som, que em determinados momentos insere efeitos que apontam detalhes divertidos sobre os personagens (os pontuais sons de águias são particularmente hilários). Isso tudo ocorre por os diretores abraçarem sem pudor algum o inusitado das situações que surgem na tela, mantendo-se fieis ao humor nonsense que marcou boa parte de sua filmografia. Mas o que faz a narrativa concebida por eles ser realmente encantadora é que tudo o que é apresentado ao longo da história serve a um único propósito: homenagear a Arte para a qual eles se dedicam. Assim, é interessante ver como Ave, César! traz uma miscelânea de gêneros cinematográficos, com os Coen desfilando naturalmente entre o épico, o noir, o musical (a sequência de sapateado protagonizada por Channing Tatum é excepcional) e o faroeste, de forma que a fotografia do mestre Roger Deakins merece créditos por modular muito bem entre cada proposta, além de trazer um aspecto caloroso ao filme com os tons de sépia que regem a maior parte da projeção.

Enquanto isso o elenco estelar, do tipo que só diretores do calibre dos Coen conseguem reunir, claramente se diverte interpretando as figuras excêntricas criadas por eles. De George Clooney a Ralph Fiennes, passando por Alden Ehrenreich (que rouba quase todas as cenas em que aparece), Channing Tatum, Scarlett Johansson, Jonah Hill, Tilda Swinton e Frances McDormand, todos conseguem se destacar, mesmo que alguns tenham meras participações especiais. Mas é inegável que Josh Brolin merece atenção especial, já que como Eddie Mannix ele é o único que ganha a chance de interpretar um personagem relativamente normal e com mais nuances, sendo um homem que sente o peso de seu trabalho e do que acaba sacrificando em nome disso, mas que não evita de sentir prazer nas coisas que precisa fazer.

Ave, César! entretém ao mostrar não só a magia ilusória do Cinema, mas também os possíveis empecilhos que ocorrem em sua realização e as pequenas imperfeições da vida real. É o filme que poderíamos esperar quando gênios como os irmãos Coen decidem falar sobre essa Arte, que pode ser subestimada por muitos, mas (como os próprios diretores parecem indicar na torre que surge antes dos créditos finais) merece ser vista com a mais profunda admiração.

Nota:

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Rua Cloverfield, 10

Apesar de formarem uma franquia com a palavra-chave de seus títulos, Cloverfield e Rua Cloverfield, 10 quase não se conectam diretamente. Anunciado cerca de dois meses antes de seu lançamento, em uma daquelas jogadas secretas típicas de seu produtor, J.J. Abrams, e que são capazes de render um marketing interessante, este novo longa dirigido pelo estreante Dan Trachtenberg funciona tão bem independentemente do filme de 2008 que poderia ter outro título sem sofrer grandes mudanças na trama, e não é à toa que o projeto é considerado apenas uma “continuação-espiritual”. De qualquer forma, Rua Cloverfield, 10 prova sua eficiência em criar tensão, fazendo jus ao que foi visto no filme anterior.

Concebido a partir do argumento de Josh Campbell e Matthew Stuecken, o roteiro escrito pela dupla e Damien Chazelle (diretor-roteirista do premiado Whiplash) acompanha Michelle (Mary Elizabeth Winstead), que, após sofrer um acidente de carro, acorda presa no bunker construído e bem preparado por Howard (John Goodman). Segundo ele, o lugar deve mantê-los seguros agora que um ataque químico ou nuclear atingiu o mundo externo, e qualquer um que colocar os pés do lado de fora do bunker estará fadado a morrer graças ao ar contaminado. Tendo ainda a companhia de Emmett (John Gallagher Jr.), Michelle vive como pode sua confinada nova realidade, mas mantendo sua desconfiança com relação a Howard e o que está acontecendo, especialmente por o sujeito se mostrar bastante instável.

Diferente de Cloverfied, que se define logo como um filme de monstro, Rua Cloverfield, 10 surge mais como um thriller psicológico, ao menos à primeira vista. Ao situar a maior parte da ação entre as paredes limitadoras do bunker, o roteiro se vê dando mais foco aos personagens e a dinâmica entre eles, explorando em meio a isso como o instinto de sobrevivência pode fazer as pessoas muitas vezes agirem de maneira assustadora, algo que pode ser visto, por exemplo, quando Michelle e Howard não deixam outra pessoa entrar no esconderijo, em um dos momentos mais angustiantes do filme. Nesse sentido, aliás, Rua Cloverfield, 10 até dialoga com uma temática pós-apocalíptica, na qual seu universo não deixa de se encaixar em alguma instância.

No comando da narrativa, Dan Trachtenberg se revela uma boa surpresa, assim como Matt Reeves em Cloverfield. Com segurança, o diretor aproveita bem o cenário da história para criar uma apropriada sensação de claustrofobia, o que contribui para a atmosfera de tensão que se desenvolve entre os personagens, aspecto que se faz presente quase do início ao fim. E se digo “quase” é porque Trachtenberg pontualmente inclui toques de humor, que funcionam como breves respiros para o filme e sua inquietação. Além disso, Rua Cloverfield, 10 ainda tem a sorte de contar com um roteiro muito bem orquestrado, que sabe claramente que direção tomar com relação à história e aos personagens, inserindo organicamente na narrativa algumas informações que acabam sendo importantes no decorrer da trama.

Enquanto isso, a talentosa Mary Elizabeth Winstead exibe uma ótima presença em cena como Michelle, conseguindo impor na tela a força, a determinação e a inteligência da personagem, algo que chega ao ápice no terceiro ato, de forma que o público não poderia ter uma âncora emocional melhor durante a projeção. Já John Gallagher Jr. usa seu bom humor para fazer de Emmett um personagem carismático, o que é importante especialmente se considerarmos uma cena particularmente impactante do longa. E claro que não podemos esquecer de John Goodman, certamente o principal motivo para que Rua Cloverfield, 10 ainda possa ser chamado de filme de monstro. O ator encarna Howard como uma figura paranoica e imprevisível, surgindo com uma presença constantemente ameaçadora, mesmo quando o sujeito aparenta tranquilidade, e o breve momento em que ele surge tomado pela escuridão enquanto Michelle e Emmett conversam sob uma luz mais clara define sua personalidade em comparação as da dupla.

Por melhor que seja, Cloverfield talvez não precisasse ter alguma continuidade, sendo que ele até se resolve muito bem em sua história. Mas Rua Cloverfield, 10 chega com ideias interessantes para o universo da franquia, conseguindo ser uma bela surpresa e deixando certa curiosidade quanto a futuros exemplares.

Nota: