quinta-feira, 28 de julho de 2016

Jason Bourne

Ágeis, empolgantes e com um protagonista fascinante, os longas da trilogia Bourne entram facilmente em uma lista de filmes de ação da década passada que merecem destaque, conseguindo ainda o feito raro de um exemplar ser melhor que o outro. Com o arco de Jason Bourne tendo chegado a uma conclusão satisfatória no excelente O Ultimato Bourne, a ideia de trazê-lo de volta soa um tanto forçada, e não é à toa que os produtores da franquia tentaram dar continuidade a esta com outro protagonista em O Legado Bourne, estrelado por Jeremy Renner, algo que não deu certo. Mas eis que o ator Matt Damon e o diretor Paul Greengrass decidiram voltar ao icônico personagem da série em uma quarta aventura intitulada simplesmente de Jason Bourne, ignorando por completo o exemplar anterior.

O filme tem início com o personagem-título já com a memória recuperada e vivendo agora na Grécia, onde leva uma existência que lembra a de John Rambo em Rambo III, tentando encontrar alguma paz pessoal e ocasionalmente ganhando dinheiro em brigas de rua. No entanto, quando sua velha conhecida Nicky Parsons (Julia Stiles) reaparece com novas descobertas sobre o envolvimento dele com o programa Treadstone e mais segredos da CIA, Bourne novamente passa a ser caçado pela agência, em uma operação liderada pelo diretor Robert Dewey (Tommy Lee Jones) e a agente Heather Lee (Alicia Vikander), que acreditam que ele é uma ameaça.

Basicamente, o roteiro escrito por Paul Greengrass em parceria com o montador Christopher Rouse (que estreia como roteirista aqui) reaproveita ideias dos exemplares anteriores a fim de organizar uma trama que segue à risca o que nos acostumamos a ver na franquia. Dessa forma, é inevitável sentir que Jason Bourne é repetitivo, além de pouco acrescentar à história de seu protagonista e dar muito espaço a elementos que, infelizmente, acabam não se resolvendo de um jeito que justifique a importância que recebem (por exemplo, a subtrama envolvendo Aaron Kalloor, um gênio da tecnologia interpretado por Riz Ahmed). Mas ainda que encontrem problemas nesse aspecto, Greengrass e Rouse conseguem usar o atual cenário político mundial (os protestos na Grécia, a realidade virtual paranoica pós-Edward Snowden) para inserir a narrativa em um contexto interessante e urgente.

Este último detalhe, aliás, é muito bem ressaltado pela direção de Greengrass, que com a ajuda do diretor de fotografia Barry Aykroyd impõe seu costumeiro estilo documental à narrativa, mantendo a chacoalhante câmera na mão para criar uma eficaz atmosfera de tensão, trazendo também uma sensação de verossimilhança às imagens. Já as cenas de ação contam com uma montagem frenética nem sempre interessante por parte de Rouse, mas isso não chega a tirar o dinamismo delas, sendo que Greengrass ainda impressiona pelo uso de efeitos práticos (quando carros são destruídos, realmente são carros de verdade na tela e não construções digitais artificiais), concebendo assim sequências admiráveis como a perseguição que ocorre no terceiro ato em Las Vegas.

Mas o que acaba realmente sustentando o filme é mesmo o protagonista. Mais uma vez vivido com intensidade por Matt Damon, Jason Bourne fascina não só por sua determinação em expor o que está errado, não deixando seu patriotismo (característica bastante citada aqui) cegá-lo quanto à vilania de figuras que representam seu país, mas também por suas habilidades absurdas. Nesse sentido, é divertido ver o personagem voltar a usar sua inteligência e pensamento rápido para se adiantar aos movimentos de quem o persegue, de forma que estas pessoas podem ser as melhores do mundo naquilo que fazem e mesmo assim parecerão criaturas tapadas em comparação a ele. E por mais inacreditáveis que sejam os atos de Bourne (como ao adivinhar rapidamente onde um atirador está escondido), é exatamente por Damon encarnar o personagem com uma seriedade natural que acreditamos em tudo que ele faz.

Jason Bourne certamente não é o melhor que a franquia já apresentou, ficando um pouco abaixo da trilogia original. Mas, depois da decepção de O Legado Bourne, é bom ver a série render um filme eficiente, que faz um bom uso de seu protagonista e a coloca de volta nos trilhos.

Nota:

quinta-feira, 21 de julho de 2016

A Lenda de Tarzan

A Lenda de Tarzan parte de uma ideia curiosa: continuar a história do personagem criado por Edgar Rice Burroughs, trazendo-o como um herói lendário, mas que tenta viver uma vida comum e é inserido em um contexto político. Esse último quesito, aliás, não é exatamente uma surpresa considerando que o diretor dessa nova produção centrada no personagem é David Yates, que já mostrou ter uma queda por tramas políticas na minissérie State of Play (adaptada para o cinema em Intrigas de Estado) e ao comandar toda a segunda metade da franquia Harry Potter. Em A Lenda de Tarzan, Yates faz um filme que entretém, mas que não escapa de ter ideias executadas de maneira frouxa.

O roteiro escrito por Adam Cozad e Craig Brewer se passa no fim do século XIX e traz Tarzan (Alexander Skarsgård) tentando viver uma vida normal na Inglaterra, assumindo seu nome verdadeiro, John Clayton III, e ficando ao lado de sua esposa, Jane (Margot Robbie), enquanto se esforça para deixar para trás seu passado nas selvas. Mas quando George Washington Williams (Samuel L. Jackson) o chama para acompanha-lo até o Congo, a fim de denunciar possíveis abusos que a Bélgica está fazendo com o povo local, John retorna a suas origens selvagens, enfrentando no processo a ameaça do capitão belga Leon Rom (Christoph Waltz), que pretende captura-lo em troca de valiosos diamantes que podem ajudar o governo de seu país.

A motivação por trás da trama é essencialmente política e humana, mas esse aspecto acaba ficando meio de lado para que o roteiro conte uma história comum envolvendo os esforços de John para salvar Jane das mãos de Leon. Além disso, um dos grandes problemas de A Lenda de Tarzan é a estrutura do roteiro, já que por mais que Adam Cozad e Craig Brewer queiram continuar a história que vimos em outras ocasiões (como na famosa animação da Disney, de 1999), eles ainda sentem a necessidade de mostrar o passado do herói através de uma série de flashbacks que nem sempre surgem organicamente ao longo do filme, causando problemas no ritmo da narrativa. Para completar, chega a ser triste ver os roteiristas apelarem para diálogos pavorosamente expositivos para esclarecer alguns pontos para o espectador, como “Ele as conhece desde filhotes”, “Foi aqui que Jane cresceu” e “Eles estão cantando a lenda de Tarzan”.

Apesar disso, o modo como o filme aborda seu protagonista é interessante e bem desenvolvido, apresentando um homem que tenta recuperar na Inglaterra a vida que supostamente teria tido caso seus pais não tivessem se perdido nas selvas africanas, evitando inclusive que sua imagem como Tarzan seja usada politicamente por figuras poderosas. Assim, ele se esforça em ser John Clayton III mesmo que este não seja quem ele se tornou ao longo dos anos (em determinado momento, ao ficar sozinho em uma carruagem, ele solta um “uh” típico de macacos, como se precisasse conter seus hábitos diante das outras pessoas), sendo natural que ele se entregue a sua natureza animalesca ao retornar ao lugar onde se criou, principalmente quando precisa enfrentar os perigos que aparecem em seu caminho. E Alexander Skarsgård faz um trabalho eficiente nesse sentido, conseguindo fazer com que o personagem não se defina só por seus atributos físicos.

Quanto aos outros personagens, o roteiro claramente se esforça em desenvolvê-los de forma que eles tenham algum peso dramático, cumprindo esse objetivo razoavelmente. O George Washington Williams (uma figura real, aliás) interpretado por Samuel L. Jackson inicia a projeção sendo a porta de entrada do público ao universo do protagonista (os diálogos expositivos citados anteriormente são falados diretamente para ele), mas aos poucos ele ganha personalidade, além de ter uma dinâmica interessante e, por vezes, divertida com John. Já a Jane de Margot Robbie infelizmente surge como a típica donzela indefesa, ainda que ao longo do filme ela desafie os homens ao seu redor e claramente demonstre saber mais que os vilões. Finalmente, Christoph Waltz concebe seu Leon Rom (outro personagem real) com sua já clássica persona cinematográfica, o que já está quase virando um clichê por si só, usando seus maneirismos para criar um antagonista bastante cortês, como podemos ver, por exemplo, em seu modo de falar ou quando ajeita delicadamente os talheres em um prato. E apesar de inicialmente parecer inofensivo, o personagem é capaz de mostrar-se ameaçador quando menos se espera.

Na condução das cenas de ação, David Yates consegue dar intensidade a algumas sequências, como a luta entre o protagonista e um macaco, e divertir em outras, como na pancadaria que acontece no interior de um trem. Vale dizer, porém, que há momentos em que o diretor não consegue mascarar o uso da computação gráfica, chegando a criar uma breve perseguição em cipós a partir disso, com as figuras humanas virando meros bonecos digitais. Mas se nesse sentido a utilização da tecnologia fica evidente demais, o mesmo não pode ser dito sobre a concepção dos animais, que convencem até quando interagem com os humanos (a própria luta citada no início deste parágrafo é exemplo disso).

A Lenda de Tarzan deixa a impressão de que tinha potencial para render uma obra melhor do que a que vemos. O filme de David Yates funciona enquanto dura, mas acaba ficando longe de ser um trabalho marcante envolvendo seu clássico personagem.

Nota:

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Dois Caras Legais

Shane Black, de certa forma, fecha com este Dois Caras Legais uma trilogia interessante em sua filmografia. Tendo roteirizado Máquina Mortífera no início de sua carreira e comandado Beijos e Tiros (que também roteirizou), dois grandes filmes que já se colocavam no subgênero buddy cop ao trazer uma dupla de protagonistas com personalidades distintas se unindo em uma investigação, Black volta a apostar nesse tipo de premissa neste seu novo trabalho, que usa a Los Angeles da década de 1970 como pano de fundo. E mais uma vez o diretor concebe uma obra admirável, que diverte tanto pela comicidade que surge em meio à história quanto pela dinâmica entre seus protagonistas.

Dois Caras Legais coloca Ryan Gosling e Russell Crowe como Holland March e Jackson Healey, respectivamente. O primeiro é um detetive particular contratado para investigar a morte da atriz pornô Misty Mountains (Murielle Telio), já que a tia dela (Lois Smith) a teria visto viva. Isso acaba levando March até a jovem Amelia (Margaret Qualey), que o faz bater de frente com Healey, contratado pela garota para espantar/espancar qualquer um que a ameace. Mas ao tomar conhecimento dos perigos enfrentados por ela, Healey concentra seus esforços em encontra-la e descobrir em que situação ela teria se metido, juntando forças com March e até com a filha dele, Holly (Angourie Rice), que teima em ajudá-los.

Dois Caras Legais talvez pudesse ser bem lugar-comum, mas o modo como Shane Black executa as ideias que tem em mãos é muito cativante, criando uma narrativa que mistura o charme dos filmes noir com o ar retrô da década de 1970, que é admiravelmente recriada pelo design de produção e pelos figurinos, regendo até mesmo o estilo dos créditos iniciais e da trilha de David Buckley e John Ottman. São aspectos que trabalham a favor de uma trama que o roteiro (escrito por Black em parceria com Anthony Bagarozzi) desenvolve inteligentemente e de maneira muito bem estruturada, sendo que até o mais insignificante dos detalhes (como um protesto com pessoas se fingindo de mortas) mostra sua importância no decorrer da narrativa.

Com isso, Shane Black já consegue fazer com que o espectador fique envolvido na história e instigado com os rumos que ela pode tomar, mas é admirável como ele ainda consegue trazer humor à narrativa, sendo que em boa parte do tempo isso ocorre a partir de desgraças, algo que acaba funcionando sem ignorar a seriedade dos perigos enfrentados por Healey e March. Tais perigos tomam a tela principalmente nas cenas de ação, que Black conduz com intensidade e tendo plena noção da mise-en-scène que desenvolve, criando sequências envolventes e que mantêm o público entretido em meio às situações apresentadas pela trama.

Mas muito do sucesso de Dois Caras Legais se deve mesmo ao fato de o filme ter grandes atores como Russell Crowe e Ryan Gosling no centro da narrativa, com ambos tendo uma fantástica dinâmica em cena e estabelecendo com talento as diferenças entre Healey e March, de forma que a diversão que eles causam vem muito do contraste de suas personalidades. Se Crowe faz de Healey um sujeito mais sério e violento, exibindo sempre uma postura firme e segura, Gosling encarna March como alguém que parece não levar a sério o que ocorre ao seu redor e que, às vezes, beira a hiperatividade. O momento em que eles usam um elevador serve até para sintetizar suas personalidades, trazendo Healey quase estático enquanto March fica inquieto. No entanto, vale dizer que, por melhor que seja a dupla central, a excelente Angourie Rice rouba a cena surpreendentemente interpretando Holly, tornando-a uma garota que por vezes se revela mais madura que o próprio pai e que mostra ter um faro natural para o trabalho de detetive, além de ser o centro moral do filme, fazendo florescer o lado humano dos protagonistas.

Ágil e divertido, Dois Caras Legais é um entretenimento notável, que sabe seguir por caminhos interessantes a fim de trazer certo frescor a sua premissa. E considerando que o filme deixa as portas abertas para uma continuação, talvez esta não tenha sido a última vez que vimos Holland March e Jackson Healey.

Nota:

domingo, 17 de julho de 2016

Séries: Stranger Things

Ao começar a assistir Stranger Things, nova série da Netflix, foi inevitável lembrar de Super 8, filme que J.J. Abrams lançou em 2011. Ambas são produções que se apresentam claramente como homenagens a aventuras e ficções cientificas da década de 1980, com Abrams tendo dado foco especial principalmente aos trabalhos de Steven Spielberg, cineasta cuja influência também podemos ver fortemente ao longo da série. Super 8 é um filme eficiente, mas vale dizer que o que os irmãos Matt e Ross Duffer realizam nos oito episódios dessa primeira temporada de Stranger Things é ainda melhor, conseguindo deixar o espectador curioso do início ao fim com relação ao que apresenta na tela.

A série é situada em 1983, na pequena cidade de Indiana, tendo início quando os jovens Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo), Lucas (Caleb McLaughlin) e Will (Noah Schnapp) estão se divertindo jogando Dungeons & Dragons, sem ter que se preocuparem com quaisquer outras coisas. Mas logo depois, quando está voltando para casa, Will desaparece ao ser atacado por um monstro misterioso. A mãe dele, Joyce (Winona Ryder), e seu irmão mais velho, Jonathan (Charlie Heaton), não medem esforços para encontra-lo, contando com a ajuda do chefe de polícia Hopper (David Harbour). Enquanto isso, a jovem Onze (Millie Bobby Brown) foge de pessoas perigosas ligadas ao governo, mostrando não ser uma garota qualquer.

Deixando sua pegada oitentista bem clara logo nos créditos de abertura, os irmãos Duffer não demoram para fazer com que Stranger Things comece a dar um banho de nostalgia no espectador, trazendo ao longo dos episódios referências a obras clássicas como E.T. e O Enigma de Outro Mundo, lembrando também de Stephen King em determinados momentos. Além disso, os realizadores conseguem dar à série o interessante charme da década de 1980, seja através do design de produção de Chris Trujillo, que faz um ótimo trabalho de recriação de época, ou da trilha composta pela dupla Kyle Dixon e Michael Stein, repleta de toques de música eletrônica.

Mas se engana quem pensa que o estilo e a proposta de Stranger Things são seus únicos atrativos, já que a série não tenta se sustentar só em suas referências nostálgicas, fazendo a história seguir seu próprio caminho de maneira independente. Nisso, os Duffer são bem sucedidos não só ao impor um suspense que mantém o público instigado, mas também por desenvolverem uma trama que fica mais interessante à medida que os personagens vão descobrindo o que está acontecendo ao seu redor. É algo muito bem estruturado pelo roteiro, que chega a formar pequenos núcleos narrativos para desvendar gradualmente as peças do quebra-cabeça misterioso que tem em mãos. Para completar, a série desenvolve admiravelmente a maior parte de seus personagens, chegando a inserir breves flashbacks que ajudam o público a se aproximar deles e de seus dramas pessoais.

O ótimo elenco também contribui muito para isso, a começar por Winona Ryder (uma atriz talentosa e que há tempos não aparecia em um papel de destaque), que encarna o desespero de Joyce na medida certa, fazendo dela uma mulher forte, determinada e cujo amor pelos filhos guia a maior parte de suas ações. Enquanto isso, David Harbour mostra segurança no papel de Hopper, tornando-o um homem de expressão constantemente fechada e que revela nisso uma ferida profunda resultante de uma tragédia pessoal, algo que o ajuda a se identificar com Joyce. Já Matthew Modine surge sempre com uma presença curiosa como Martin Brenner, o líder conspiratório e vilanesco de uma agência do governo e que não é muito diferente do que já vimos em outras produções, ao passo que os intérpretes mais jovens do elenco esbanjam carisma e personalidade, com a pequena Millie Bobby Brown se estabelecendo como a grande revelação do projeto no papel de Onze.

Devorar os oito episódios de Stranger Things acaba sendo uma tarefa relativamente fácil. Afinal, a série bebe do que há de melhor em suas fontes, homenageando-as maravilhosamente ao mesmo tempo em que se estabelece como uma produção incrivelmente cativante.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Caça-Fantasmas

Ver um filme render um falatório negativo é algo relativamente comum, mas a maneira como isso ocorreu com este Caça-Fantasmas chega a ser infantil, para dizer o mínimo. Terceiro longa da franquia iniciada maravilhosamente em 1984 e que teve uma fraca continuação em 1989, o filme de Paul Feig se apresenta como um reboot daquele universo, com foco em quatro novas personagens ao invés de nas figuras clássicas interpretadas por Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis (que morreu em 2014) e Ernie Hudson, o que fez a produção ser reprovada por vários fãs dos exemplares anteriores antes mesmo que os realizadores colocassem os pés em um set de filmagem (a misoginia direcionada ao fato de termos protagonistas femininas se destacou em meio a isso). Mas isso não impediu o filme de ser feito, de forma que Caça-Fantasmas está aqui e mostra saber aproveitar muito bem a premissa da franquia, ao contrário do que essa negatividade besta tentou apontar.

Escrito pelo próprio Paul Feig em parceria com Katie Dippold, Caça-Fantasmas apresenta a professora universitária Erin Gilbert (Kristen Wiig), que se une a sua velha amiga Abby Yates (Melissa McCarthy) para investigar certos casos sobrenaturais que passam a acontecer em Manhattan. Nisso, elas ganham o auxílio da engenheira nuclear Jillian Holtzmann (Kate McKinnon) e de uma funcionária do metrô, Patty Tolan (Leslie Jones), formando assim o grupo que passa a proteger as pessoas dos fantasmas, que, por sua vez, fazem parte de um grande plano que pode colocar o mundo em risco.

Apesar de partir da mesma premissa do longa original, Caça-Fantasmas não demora para mostrar que está determinado em não ser uma mera cópia, se livrando um pouco de possíveis amarras que pudesse ter daquela obra. Não é um filme que tenta se sustentar através da nostalgia que é capaz de proporcionar (como ao tocar logo no início a música-tema composta por Ray Parker Jr.), de modo que se este fosse o primeiro exemplar da série ele ainda assim funcionaria bem como entretenimento, já que Paul Feig conduz a narrativa com uma energia admirável e se revela bastante inventivo em determinados momentos (como na ótima batalha no terceiro ato, onde as heroínas utilizam os mais diversos apetrechos), enquanto que as piadas causam o riso do público com frequência e naturalidade ao longo da projeção. Isso, no entanto, não impede o filme de prestar algumas homenagens à obra original, pontualmente inserindo referências e participações especiais que não tentam chamar tanta atenção para si e levam o espectador a sorrir.

Mas a grande razão de ser do filme, sem dúvida, se encontra nas novas protagonistas. Desde o primeiro momento em que surgem na tela, Kristen Wiig, Melissa McCarthy, Kate McKinnon e Leslie Jones exibem um carisma e um timing cômico que tornam fácil gostar de Erin, Abby, Holtzmann e Patty, que não são versões femininas do quarteto original, tendo personalidades diferentes e muito bem desenvolvidas, além de exibirem uma dinâmica admirável e divertidíssima em cena, que melhora à medida que avançamos na história. Aliás, se nos últimos anos Wiig e McCarthy tiveram seus talentos reconhecidos no cinema, McKinnon e Jones surgem como gratas surpresas (particularmente, ainda não conferi outros trabalhos estrelados por elas), principalmente a primeira, que quase rouba o filme interpretando Holtzmann. Fechando o elenco, Chris Hemsworth causa bons risos como o secretário Kevin, a versão masculina do estereótipo da loira burra e que é constantemente objetificado, referenciando o que acontece com as mulheres em várias produções, enquanto Neil Casey faz um vilão pouco interessante, mas que serve como uma boa desculpa para reunir as protagonistas.

Quando os créditos finais começam a rolar, é inevitável pensar que seria bom rever as personagens em outra aventura. Afinal, elas conseguiram dar um novo gás à franquia, fazendo com que Caça-Fantasmas faça jus ao original de 1984, sendo um filme que se estabelece desde já como um dos mais divertidos do ano.


Obs.: Há cenas durante e depois dos créditos finais.

Nota:

sábado, 2 de julho de 2016

Procurando Dory

Procurando Nemo não é um filme que coloco entre as obras-primas da Pixar, mas certamente é um trabalho no qual o estúdio caprichosamente soube criar personagens adoráveis, que nos guiavam por uma aventura divertida e tocante pela forma como tratava a temática do amor entre pais e filhos. Exatamente por isso, a ideia de retornar àquele universo e rever àquelas figuras é agradável por natureza, sendo que dessa vez é a querida Dory quem passa a ser a protagonista, em algo parecido com o que ocorreu com Mate no fraco Carros 2. Mesmo apostando em uma narrativa basicamente igual a do primeiro longa, Procurando Dory consegue ser uma continuação divertida e que, no processo, tira um pouco o gosto amargo que a Pixar deixou recentemente com O Bom Dinossauro.

Escrito pelo diretor Andrew Stanton a partir do argumento concebido por ele e Victoria Strouse, o filme traz Dory lembrando de seus pais, de quem se perdeu quando criança e acabou esquecendo devido a seu problema de perda da memória recente. Ela parte em uma jornada para encontra-los, tendo para isso a ajuda de Merlin e Nemo. A viagem leva o trio até o Instituto de Vida Marinha, na Califórnia, onde Dory começa a ter contato com seu passado, além de conhecer o polvo Hank, que também entra na missão para ajuda-la.

Apesar de vermos algumas variações, trata-se do mesmo tipo de história que havíamos acompanhado antes (“Sempre que chegamos ao final deste recife alguém está tentando ir embora”, diz Marlin para apontar a repetição), com Andrew Stanton voltando à mesma temática e a uma estrutura que lembra àquela do primeiro filme, com a diferença de que agora temos alguns flashbacks do passado de Dory. O desenrolar da trama acaba sendo até um pouco previsível, com o frescor da narrativa ficando mais por conta da expansão daquele universo, que traz novos personagens e dá foco à grandeza do Instituto de Vida Marinha onde ocorre a maior parte da ação.

Mesmo pecando nesse aspecto, Procurando Dory ainda assim traz Stanton aproveitando bem o universo que concebeu e fazendo uma aventura que entretém o público do início ao fim da projeção, organizando uma narrativa ágil e que diverte naturalmente com os personagens. Aqui, vale dizer que o roteiro volta a causar risos com o jeito de Dory e seu problema de memória, mas também abre espaço para as excentricidades de outros personagens, como os leões-marinhos Fluke e Leme e a mergulhão Becky, figuras que praticamente roubam as cenas em que aparecem.

O que faz o filme realmente funcionar, porém, é o carinho que temos pelos personagens, principalmente Dory, que mais uma vez mostra o quão adorável é capaz de ser e mantém ótimas dinâmicas com as figuras ao seu redor, sejam elas Marlin e Nemo ou Hank, funcionando maravilhosamente como a principal âncora emocional da narrativa. Assim, é fácil nos importarmos com seu drama pessoal, sendo interessante notar como o roteiro aborda o problema de memória dela não só como algo que a torna divertida e carismática, mas também como o grande iniciador do medo que ela compreensivelmente tem de esquecer as pessoas que ama. Para completar, ao inserir mais obstáculos exatamente quando os conflitos da trama parecem estar chegando ao fim, Andrew Stanton pode até esticar a história mais do que o necessário, mas consegue criar um pouco de tensão que prova o desejo do espectador de ver os personagens alcançarem seus objetivos de alguma forma.

Tecnicamente impressionante como qualquer animação da Pixar (os movimentos dos animais são convincentes até os mínimos detalhes e alguns planos gerais das “locações” nem parecem ter sido concebidos no computador, tamanho o fotorrealismo alcançado por Stanton e sua equipe), Procurando Dory pode ter pontos irregulares, mas ainda consegue ser uma aventura simpática e eficiente ao lado de ótimos personagens. Em um ano no qual várias franquias estão lançando suas segundas partes, esta se coloca entre as mais agradáveis.

Obs.: Há uma ótima cena após os créditos finais.

Obs. 2: O curta-metragem Piper, que está sendo exibido antes de Procurando Dory, é capaz de derreter corações com a beleza tanto de sua narrativa quanto de sua parte puramente técnica, provando que os traços digitais da equipe de animação da Pixar realmente estão evoluindo maravilhosamente. É um trabalho que certamente será lembrado na temporada de premiações.

Nota: