quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Assassinato no Expresso do Oriente

Um dos personagens mais famosos dentre aqueles criados por Agatha Christie (ao lado de Miss Marple), o belga Hercule Poirot é um detetive fascinante. Ler as histórias protagonizadas por ele representa uma experiência deliciosa não só por conta do quão intrigante elas são, mas também pela grande inteligência e perspicácia que o personagem exibe para resolver os casos. É exatamente por isso que é bacana ver o potencial cinematográfico desse material ser novamente explorado, o que no passado rendeu longas interessantes como Morte Sobre o Nilo, protagonizado por Peter Ustinov, e Assassinato no Expresso do Oriente, lançado em 1974 e dirigido por ninguém menos que o mestre Sidney Lumet. É esta última adaptação que ganha uma nova versão agora pelas mãos de Kenneth Branagh, que além de dirigir também assumiu a responsabilidade de ser o novo Poirot dos cinemas. E o resultado não decepciona.

Escrito por Michael Green (que em 2017 já incluiu em seus créditos os roteiros dos excepcionais Logan e Blade Runner 2049), Assassinato no Expresso do Oriente traz Hercule Poirot pronto para descansar após resolver um caso em Jerusalém, um plano que muda quando ele é chamado para mais um trabalho em Londres. Para chegar lá, Poirot sobe a bordo do Expresso do Oriente, tendo uma viagem relativamente tranquila até o momento em que um dos passageiros surge assassinado, fazendo-o pôr em prática suas habilidades a fim de encontrar o culpado entre os outros passageiros do trem.


É uma história clássica de whodunnit (leia-se: quem matou?), e o roteiro desenvolve isso com calma, sem sentir a necessidade de entregar tudo facilmente para o espectador. Na verdade, Assassinato no Expresso do Oriente praticamente nos coloca na pele de Poirot, nos fazendo conhecer os outros personagens e ficar cientes de determinadas informações ao mesmo tempo em que o protagonista, o que faz toda a investigação transcorrer de forma orgânica, sem que grandes conclusões surjam repentinamente. E ainda que o final possa ser bastante conhecido (não se preocupem, eu não vou revela-lo nessa crítica), ver Poirot gradualmente pegar cada peça que aparece em seu caminho e montar o quebra-cabeça da trama é algo que não poderia ser mais instigante.

Assim, Kenneth Branagh concebe uma narrativa que envolve o público com naturalidade, e mesmo que o filme passe a maior parte do tempo em um único cenário (o Expresso do Oriente), ele jamais soa parado, seja porque o diretor consegue impor um ritmo ágil e ressaltar eficientemente a tensão quando precisa ou porque tem sempre alguma coisa acontecendo na trama. Além disso, a direção de Branagh conta com uma elegância que rende momentos bacanas tanto narrativa e quanto esteticamente, como o plano-sequência que segue Poirot atravessando o trem enquanto passa pelos outros passageiros ou a cena em que o corpo da vítima é descoberto, filmada em um belo plano plongé (quando a câmera filma por um ângulo de cima para baixo).


Enquanto isso, o fantástico elenco coadjuvante (que inclui nomes que vão desde veteranos como Judi Dench e Derek Jacobi, passando por Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Johnny Depp e Willem Dafoe e chegando a atores que passaram a chamar atenção recentemente, como Daisy Ridley e Josh Gad) exerce admiravelmente suas funções, criando personagens com personalidades bem definidas e que exibem uma complexidade surpreendente. Aliás, o fato de Branagh incluir intérpretes negros e latinos no elenco (o que é inexistente tanto no livro original quanto na versão de Sidney Lumet) mostra uma preocupação com a diversidade que traz certa modernização ao filme, sendo que o roteiro ainda aproveita isso para fazer breves e certeiros comentários sociais. É algo que vemos, por exemplo, na cena em que Poirot é avisado de que, caso não investigue o assassinato, a polícia provavelmente irá culpar o Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.) ou o chofer Biniamino Marquez (Manuel Garcia-Rulfo), apenas por conta da etnia deles.


Mas é mesmo o próprio Kenneth Branagh quem acaba se destacando mais em frente às câmeras. Interpretando Hercule Poirot, o ator traz um carisma e um senso de humor que conquistam o espectador rapidamente, além de encarnar com naturalidade a inteligência do personagem (estabelecida já na ótima sequência inicial em Jerusalém) e seus maneirismos, como a vaidade dele com seu icônico bigode, o desconforto que sente ao ver algo errado (a cena em que ele pisa em um montinho de fezes é divertida nesse sentido) ou seu sotaque. Para completar, é bom ver que o filme não se desvia do peso enfrentado por Poirot por conta do que descobre ao longo da investigação, discutindo com sensibilidade a moral de sua resolução e dando ao protagonista um arco dramático interessante, tendo em vista a maneira complexa como tal resolução e os ideais de justiça dele (“Há o certo e o errado, e nada entre eles”) se chocam.

Assassinato no Expresso do Oriente mostra saber como prender a atenção do público assim como sua obra original, fazendo jus a esta. E tendo em vista a eficácia do filme e do trabalho de Kenneth Branagh, eu adoraria ver o ator-diretor interpretar Hercule Poirot mais vezes. Histórias com o personagem é que não faltam para isso.

Nota:

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Jogos Mortais: Jigsaw

Independentemente da qualidade que exibem a cada novo filme, séries longas como Jogos Mortais não morrem com tanta facilidade, sendo formadas por exemplares que custam relativamente pouco para serem feitos e ganham grande fama em meio ao público. Por conta disso, o fato de o pavoroso Jogos Mortais: O Final ter sido lançado com um subtítulo conclusivo soa como ingenuidade, já que era apenas questão de tempo até que outro filme da franquia entrasse em cartaz. Podemos constatar isso agora com este Jogos Mortais: Jigsaw, que é exatamente o que nos acostumamos a ver em um capítulo da série. E isso não é necessariamente um elogio.

Situado dez anos após a morte de John Kramer (Tobin Bell), mais conhecido como o vilão Jigsaw, este novo longa mostra que cinco pessoas foram sequestradas para participar de um jogo tipicamente mortal, seguindo o famoso modus operandi de Kramer. Enquanto isso, o médico forense Logan (Matt Lamore) auxilia a polícia liderada pelos detetives Halloran (Callum Keith Rennie) e Hunt (Clé Bennett) na investigação para descobrir onde essas pessoas estão e quem está por trás do que está acontecendo, por mais que as pistas pareçam apontar para o próprio Jigsaw.

É o ponto de partida para uma trama que não acrescenta absolutamente nada de diferente a série, seguindo a risca sua fórmula e chegando a repetir vários elementos que víramos nos filmes anteriores, o que faz este novo capítulo parecer um produto reciclado. Sendo assim, o roteiro pode tentar enganar o público para que suas reviravoltas sejam surpreendentes, mas a verdade é que elas não causam muito impacto por já surgirem batidas por natureza, ao passo que a história pouco envolve graças à maneira boba como se desenrola, com a incompetência da polícia e a estupidez das vitimas convenientemente ajudando o plano do vilão a dar certo.


No fim, o que os irmãos diretores Michael e Peter Spierig (os mesmos do ótimo O Predestinado, um dos filmes mais malucos lançados nos últimos anos) têm em mãos é um material que só tenta criar uma desculpa para nos apresentar a novas armadilhas insanas, elementos que de certa forma se tornaram a razão de ser da série (algo parecido ocorre com as mortes vistas na franquia Premonição). Nisso, os realizadores obviamente mergulham numa criatividade absurda, concebendo jogos sanguinolentos que até deixam o espectador curioso quanto a como os personagens irão perecer, além de mostrarem o quão sacana o vilão é capaz de ser.

No entanto, devo dizer que seria agradável ter como torcer para que os personagens escapem vivos da situação em que se encontram, o que inclusive tornaria bem sucedidos os esforços dos diretores para criar tensão. Mas isso é difícil tendo em vista que o elenco não tem carisma algum e ainda encarna figuras canalhas que constantemente negam a própria canalhice, detalhe que só piora a situação deles diante do vilão e do espectador, que não poderia se importar menos com seus destinos. Enquanto isso, o astro da franquia, Tobin Bell, volta ao papel de Jigsaw usando sua voz rouca e congelante para impor a ameaça representada por ele, não tendo muito mais a fazer além disso.

Assim como seus antecessores, Jogos Mortais: Jigsaw acaba servindo mais para fazer dinheiro em cima da popularidade da franquia. Até porque se havia algum objetivo de dar vida nova a ela, isso não deu muito certo, mostrando apenas que existe uma grande escassez de ideias no que diz respeito ao que pode ser feito com esse universo.

Nota:

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Liga da Justiça

Ao escrever sobre Batman vs. Superman, comentei sobre como o filme exibia uma clara pressa dos realizadores para construir um universo cinematográfico da DC Comics, de forma que a narrativa praticamente entrava em colapso por ter que lidar com muito mais coisas do que poderia. Liga da Justiça chega como resultado disso, tratando de reunir logo os principais super-heróis da editora de quadrinhos a fim de fazer frente com sua rival, a Marvel. E apesar de o projeto por trás desse universo não ser dos mais organizados, este novo longa consegue driblar isso e se apresentar como uma produção eficiente e divertida, ainda que fique longe de ser um exemplar de destaque em seu subgênero.

Com roteiro escrito por Chris Terrio e Joss Whedon (que também ficou a cargo da direção de algumas filmagens adicionais) a partir do argumento de Terrio e do diretor Zack Snyder, Liga da Justiça mostra que o mundo está prestes a encarar a ameaça do poderoso Lobo da Estepe (Ciarán Hinds). Ao lado de seus capangas Parademônios, ele pretende encontrar três Caixas Maternas, objetos cujo poder pode ajuda-lo a conquistar o planeta. Com isso em vista e sem poder contar com Superman (Henry Cavill), Bruce Wayne (Ben Affleck) tem a ajuda de Diana Prince (Gal Gadot) para formar um grupo de super-heróis que possa enfrentar tal ameaça, conseguindo recrutar Arthur Curry (Jason Momoa), Barry Allen (Ezra Miller) e Victor Stone (Ray Fisher), também conhecidos respectivamente como Aquaman, Flash e Cyborg.


Já é possível notar pela premissa que Liga da Justiça é um filme simples em sua história, se preocupando menos com a construção de seu universo e mais com as peças que tem em mãos, possibilitando que Zack Snyder crie uma narrativa mais objetiva que a de sua empreitada em Batman vs. Superman. No entanto, vale dizer que ao mesmo tempo trata-se de uma trama bem básica e que não sai nada do lugar-comum, se rendendo a uma fórmula relativamente segura para dar rumo a grande reunião que toma a tela, não tendo maiores ambições além disso. O roteiro até busca usar seus super-heróis para ressaltar como vale a pena lutar pela humanidade por mais falha que esta seja, recuperando um pouco do otimismo tão bem abordado em Mulher-Maravilha, mas isso ainda fica muito em segundo plano em meio ao desenvolvimento da história, que encontra dificuldades para instigar o espectador por nunca se arriscar, preferindo apenas seguir caminhos já traçados por outros longas.

Apesar disso, o principal atrativo de Liga da Justiça funciona admiravelmente. Ver Batman, Mulher-Maravilha, Flash, Aquaman e Cyborg juntos é certamente o ponto alto do filme, sendo interessante também notar as personalidades de cada um, aspecto que inclusive ajuda a equilibrar o tom da narrativa conduzida por Zack Snyder, que nem fica tão séria como o Batman de Ben Affleck nem muito engraçada como o Flash de Ezra Miller. Aliás, o elenco merece créditos por encarnar com segurança e carisma seus respectivos personagens, além de conseguir trazer densidade a eles sempre que necessário, ajudando a fazer com que o espectador se importe com eles. E é bom ver que, ainda que Affleck e Gal Gadot ganhem um protagonismo um pouco maior, cada um tem sua chance de brilhar (o Aquaman de Jason Momoa, por exemplo, protagoniza um dos momentos mais divertidos do filme ao declarar algumas coisas para seus colegas).


Enquanto isso, Zack Snyder cria sequências de ação que não chegam a ser particularmente memoráveis, soando até burocráticas em determinados momentos, mas que entretém pela dinâmica cativante formada pelos heróis, que naturalmente se auxiliam e salvam uns aos outros em meio às batalhas, enquanto piadinhas são inseridas pontual e organicamente, funcionando na maioria das vezes. Isso compensa um pouco a ameaça incrivelmente pobre enfrentada por eles. Infelizmente, o Lobo da Estepe (que Ciarán Hinds interpreta através da tecnologia de captura de movimentos) surge como um vilão unidimensional e nada ameaçador, por mais que seus planos sejam grandiosos e destrutivos, de forma que ele acaba soando apenas uma mera desculpa para reunir a Liga.

Liga da Justiça se esforça bastante para ser um bom entretenimento para o espectador. Mesmo nisso ele não chega a ser um filme impressionante, mas consegue agradar o suficiente para não ser classificado como uma decepção.

Obs.: Há uma cena durante e outra depois dos créditos finais.

Nota: